Os comissários da representação portuguesa na Bienal de Arquitetura de Veneza quererem reunir ideias e imagens para mostrar em Veneza um paraíso de diversidade existente em Portugal, “que é importante preservar e regenerar”, defendem em entrevista à agência Lusa.

“Paraíso. Hoje” dá título ao projeto dos arquitetos Paula Melâneo, Pedro Bandeira e Luca Martinucci, escolhido para representação oficial de Portugal no certame que decorrerá de 10 de maio a 23 de novembro, com curadoria geral de Carlo Ratti, sob o tema “Intelligens. Natural. Artificial. Collective".

“Nós tentamos dar resposta ao repto do curador da bienal quando ele fala de 'burning world' ['mundo em chamas', em tradução livre]. Criámos uma visão crítica em relação a este mundo contemporâneo, mas otimista”, explicou Paula Melâneo numa entrevista conjunta da curadoria.

O projeto tem como curadores-adjuntos Catarina Raposo e Nuno Cera, e propõe uma instalação tecnológica arquitetónica/artística para criar um ambiente imersivo e uma experiência interativa com o público, visando “sensibilizar e despertar reflexões sobre a relação entre a ação humana e a natureza”.

“Paraíso. Hoje” irá a Veneza mostrar uma metáfora que procura pensar as relações entre a arquitetura e a construção da paisagem.

“Não somos ingénuos, vemos o que está a acontecer na dimensão social e ambiental, mas somos otimistas sobre o que podemos fazer e atuar sobre esses problemas”, sustentou a arquiteta Paula Melâneo sobre a reflexão que os curadores desenvolveram e que será materializada no Fondaco Marcello, edifício histórico localizado junto ao Grande Canal, em Veneza.

Para a 19.ª Exposição Internacional de Arquitetura, os curadores querem levar uma abordagem do mundo contemporâneo que “aponte para uma regeneração, palavra bastante forte, que tem uma dimensão social e ambiental”, vincou a editora do Jornal dos Arquitetos.

A ideia é mostrar em Veneza a relação da arquitetura com o território e a paisagem, bem como o seu impacto no imaginário coletivo: “No caso de Portugal, esse imaginário coletivo do paraíso recai quase sempre nas praias da nossa costa e nas cascatas do Gerês. Mas existe todo outro país, mais diversificado, e é este que nós procuramos salientar, o paraíso no sentido da sua diversidade”, resumiu o arquiteto Pedro Bandeira.

Os comissários pretendem destacar essa diversidade “que se estende de norte a sul do continente português e também às ilhas”.

“Há um paraíso hoje que é importante preservar, e que assenta numa diversidade ecológica que é importante regenerar”, reiterou o arquiteto cujo trabalho com os outros curadores se apoiou na pesquisa e investigação que têm estado a desenvolver.

Por seu turno, Luca Martinucci sublinha que o grupo está a construir um processo para levar à bienal: “Nós não temos uma solução, mas uma vontade de acolher uma inteligência coletiva dos ateliês. É um trabalho que é muito superior ao tempo de uma exposição como a de Veneza”.

“Interessa-nos pensar no local e numa ação global”, realçou o arquiteto formado em Milão, que dirige atualmente o 18-25 Research Studio for Architectural Visualization, dedicado à construção de imagens de arquitetura.

Nessa linha, a imagem será o media "de eleição” do projeto “para se perceber como se está a atuar em relação a problemas tão complexos como a erosão da costa, a poluição ou o sobreaquecimento”, exemplificou.

“O nosso otimismo é baseado nisso: temos um problema e é nele que temos de trabalhar. A adaptação é a consciência que existe de um problema, há situações globais, com catástrofes diárias que resultam de ações locais, e afetam todo o planeta. Não nos podemos esconder atrás de políticas como a pressão urbanista”, defendeu o arquiteto.

Martinucci reforça: ”A visão é sempre global porque o local afeta todo o planeta, e é esta posição que queremos levar a Veneza”, onde estarão 66 participações nacionais nos pavilhões históricos dos Jardins, Arsenal e no centro da cidade, uma das incluídas, a nível mundial, no grupo das mais vulneráveis às alterações climáticas.

Paula Melâneo ressalvou que a proposta portuguesa não irá mostrar projetos concretos de arquitetos, de autoria, mas sim “a arquitetura no modo de construir a paisagem cultural”.

“A nossa perspetiva é muito contemporânea, embora a carga histórica esteja sempre presente”, descreveu, lembrando que até 28 de fevereiro está a decorrer uma 'open-call' de ideias e imagens de projetos, obras ou lugares em Portugal que possam mostrar a arquitetura nas suas várias vertentes.

Os comissários querem desafiar o público a contribuir com o que consideram possa ser o 'paraíso', podendo apresentar as suas ideias no sítio 'online' www.paraisohoje.pt.

Esta chamada aberta a arquitetos e não arquitetos irá servir para a elaboração de um Atlas “abrangente, organizado tematicamente e capaz de sugerir diferentes modos de pensar o Paraíso, hoje”.

As temáticas deste Atlas serão experiência, regeneração, ócio, redes, retorno, cultivo, simulacro e ficção, mas poderão surgir outras em função das respostas, indicaram à Lusa.

Pedro Bandeira sustenta que o mundo está perante “problemas bastante complexos para os quais não se podem aplicar soluções simplistas”.

“Por essa razão não nos queremos focar em dois ou três ateliês, mas na prática coletiva que se tem dedicado a estas questões”, justifica o professor na Escola de Arquitectura, Arte e Design da Universidade do Minho.

O arquiteto realça que “a paisagem diversa é, provavelmente, a mais resiliente às alterações climáticas, e passível de fornecer soluções diferenciadas para problemas também só por si diferentes”.

“A arquitetura faz parte do problema, é uma responsabilidade. Tem um impacto no ambiente – desde os materiais às questões energéticas. O setor da construção, na sua totalidade, representa 40% de emissão de carbono para atmosfera”, fez questão de recordar.

Para o especialista, a questão fundamental “é saber como é possível trabalhar de modo a que estas relações sejam menos agressivas ou até mais eficazes”, sugere.

Bandeira clama que atualmente os arquitetos “já têm essa consciência, e a prática da arquitetura implica o trabalho em equipa, sempre multidisciplinar, mas tem de ir ao encontro da encomenda, ela própria muitas vezes não beneficiadora das questões ambientais”.

O Palácio Fondaco, descrevem, será ocupado por uma instalação visual e sonora, interativa e imersiva cujo objetivo é contribuir com uma metáfora para pensar a arquitetura do futuro.

A partir desta edição, e durante três anos, a representação oficial portuguesa passará a ter lugar neste edifício histórico localizado junto ao Grande Canal, em Veneza, onde, entre 2007 e 2012, Portugal apresentou anualmente os seus projetos oficiais das mostras de arte e de arquitetura, na Bienal.

Na edição anterior, em 2023, Portugal foi representado na Bienal de Arquitetura de Veneza pelo projeto “Fertile Futures”, com curadoria de Andreia Garcia, da Architectural Affairs, sob o tema “O Laboratório do Futuro”, tendo ultrapassado os 34 mil visitantes.