
O exercício da arquitetura “também é um ato político” que molda o território, influencia vidas e tem um impacto global, consideram os comissários da representação portuguesa na Bienal de Arquitetura de Veneza, sublinhando a responsabilidade do exercício desta disciplina.
“Enquanto arquitetos não temos a possibilidade de resolver tudo, mas devíamos ter um sentido de responsabilidade nas questões que devemos dominar, e isso também é fazer política”, considera Pedro Bandeira, um dos três curadores principais do projeto “Paraíso. Hoje”.
O paraíso como metáfora que procura pensar as relações entre a arquitetura e a construção da paisagem está no centro do projeto dos arquitetos Paula Melâneo, Pedro Bandeira e Luca Martinucci, escolhido para representação oficial de Portugal na 19.ª Exposição Internacional de Arquitetura.
O certame que irá decorrer entre 10 de maio e 23 de novembro de 2025, com a curadoria geral de Carlo Ratti, sob o tema “Intelligens. Natural. Artificial. Collective".
Numa conferência de imprensa realizada a 11 de fevereiro, em Veneza, para divulgar o conteúdo da nova edição, Carlo Ratti foi várias vezes questionado sobre a ligação da arquitetura à política, e respondeu reiteradamente: “Aos arquitetos cabe apresentar soluções, e à sociedade e aos políticos cabe decidir” sobre a sua execução.
Sobre este tema, os curadores da representação portuguesa consideraram, em entrevista à agência Lusa, que qualquer decisão construtiva tem impacto coletivo, exigindo responsabilidade e consciência das desigualdades globais.
“Hoje qualquer ação ou escolha do indivíduo é uma escolha política: o que comer, o que comprar. As escolhas individuais têm um impacto global cada vez mais evidente”, apontou, por seu turno, o arquiteto Luca Martinucci, formado em Milão, que dirige atualmente o 18-25 Research Studio for Architectural Visualization, dedicado à construção de imagens de arquitetura.
Também a curadora Paula Melâneo, editora do Jornal dos Arquitetos, considera que “qualquer ação tem um impacto político”, e a arquitetura não foge a essa equação: “O papel do arquiteto é de resolução de problemas. Alguns [desses profissionais] estão na política, e dão o seu contributo a pensar nos problemas e na regulamentação necessária” para a execução dos projetos.
Pedro Bandeira, por seu turno, lembra que o grupo tem vindo a trabalhar numa perspetiva disciplinar: “Independentemente do nosso posicionamento político individual - há diferenças políticas e ideológicas - o que interessa aqui é que estamos a trabalhar em conjunto”, sublinhou o professor da Escola de Arquitectura, Arte e Design da Universidade do Minho.
“Mas o nosso trabalho pode ter e tem leituras políticas, e as questões não são simples. Por exemplo, o tema da tecnologia que nós sabemos que é um privilégio de países com mais poder económico, e são aqueles que mais contribuem para a produção de dióxido de carbono e mal-estar planetário”, apontou.
O arquiteto e investigador defende que os arquitetos “não podem esconder ou ignorar a falta de equidade e dos problemas da atualidade, como a falta de habitação, as secas e os incêndios devastadores”.
Pedro Bandeira fez questão de lembrar um acontecimento anterior ao 25 de Abril, quando o arquiteto Nuno Teotónio Pereira (1922-2016) estava preso, por motivos políticos, e foi convidado a criar um projeto de uma prisão.
“Esta história foi-me contada pelo arquiteto Nuno Portas, que, na altura, ficou a tomar conta do ateliê. Sentindo-se muito incomodado com este convite, foi perguntar a Teotónio Pereira o que pensava, e a resposta que obteve foi pela positiva: 'Agora que eu tenho a experiência de estar preso, quero criar as melhores condições para os prisioneiros'”, citou Bandeira.
O projeto dos curadores – que inclui ainda os curadores-adjuntos Catarina Raposo e Nuno Cera - propõe uma instalação tecnológica arquitetónica/artística, criando um ambiente imersivo e uma experiência interativa com o público, para “sensibilizar e despertar reflexões sobre a relação entre a ação humana e a natureza”.
"Paraíso, Hoje.", que será oficialmente apresentado na quarta-feira, numa conferência de imprensa, em Lisboa, foi escolhido entre três propostas finalistas de um total de 31 candidaturas recebidas uma primeira fase do processo de seleção da representação oficial portuguesa na próxima Bienal de Arquitetura de Veneza.
Para esta 19.ª Exposição Internacional de Arquitetura, a representação portuguesa contará com um montante global de 425 mil euros, através da Direção-Geral das Artes.
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