
A decorrer em vários espaços da região minhota até domingo, 3 de agosto, a 11.ª edição do MDOC - Festival Internacional de Documentário de Melgaço tem como tema a Identidade, Memória e Fronteira, que percorre mais de 30 filmes de mais de 20 países em formatos de curta, média e longa-metragem - todos com sessões de entrada livre.
Obra que alude diretamente às questões centrais do evento este ano, "My Memory Is Full of Ghosts" propôs esta quarta-feira, 31 de agosto, na Casa da Cultura de Melgaço, um olhar sobre Homs depois da devastação militar da cidade síria entre 2011 e 2014.

O filme do palestiniano Anas Zawahri, exibido em Portugal depois da passagem por festivais como o Visions du Réel, na Suíça, e de ter sido premiado no de El Gouna, no Egito, é uma experiência que parte do luto mas opta pela resistência, mesmo que raramente saia de uma atmosfera dolente.
Dando voz a vários sobreviventes da guerra, optando pela narração em off, consegue evitar o dispositivo de mero alinhamento de cabeças falantes ao intercalar os relatos com a respiração da cidade, ou a procura do que esta poderá ser em tempos recentes (a estreia internacional fez-se em 2024).
Assim, escutamos uma mãe que perdeu os filhos e uma filha que perdeu a mãe, um homem que perdeu a mulher que amava e outro que perdeu o irmão, mas também cânticos, orações, pássaros, o trânsito ou a água a correr, que trazem a serenidade possível depois da tragédia.
Entre os testemunhos, há frases que ficam, como as de um homem "casado com a solidão" a ponto de já não conseguir afastar-se dela mesmo quando está acompanhado. Ou de uma mulher "apaixonada" por Homs, mas que sente que o seu amor "não tem sido retribuído", confessando conviver facilmente com a tristeza e a raiva, embora ainda seja incapaz de lidar com o medo.

Optando quase sempre por planos fixos e revelando um cuidado óbvio com os enquadramentos, Zawahri tem cúmplices fiáveis nos diretores de fotografia Hamzeh Ballouk e Nawwar Alboukai (sépia, cinza e azuis metálicos dominam estes quadros urbanos de ruínas e recomeços) e é fiel a uma sobriedade imune a qualquer tentativa de sensacionalismo.
Pontualmente, o realizador até vai insinuando algumas frestas de luz, como nos planos de conjunto em que os retratados fixam a câmara enquanto esboçam sorrisos. Uma postura a lembrar a da brasileira Fernanda Torres na pele de Eunice Paiva em "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, quando gritava "Sorriam!" aos filhos nas fotos para a imprensa - não por acaso, outro filme (e documento) dos últimos tempos que teima em não se render aos fantasmas da memória.
O SAPO Mag viajou a Melgaço a convite da organização do MDOC.
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