
O realizador João Mário Grilo lamentou hoje a morte do diretor de fotografia Eduardo Serra, descrevendo-o como “um artista muito talentoso”, com quem fez uma “aliança decisiva” no filme “O Processo do Rei” (1989).
Eduardo Serra, o mais internacional dos diretores portugueses de fotografia, morreu na terça-feira aos 81 anos, anunciou a Academia Portuguesa de Cinema.
O desaparecimento do Eduardo Serra “é uma tristeza muito grande”, reagiu João Mário Grilo, contactado pela agência Lusa, aplaudindo a iniciativa da Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, por lhe ter dedicado uma retrospetiva em julho.
“Não há como não lamentar a perda de um artista. Não era apenas um técnico, era um artista muito talentoso que, infelizmente, trabalhou em muito poucos filmes portugueses” referiu o cineasta sobre Eduardo Serra, nascido em Lisboa, em 1943.
Veio a tornar-se o mais internacional dos diretores portugueses de fotografia, duas vezes nomeado para os Óscares, pelos filmes "As Asas do Amor", de Iain Softley, e "Rapariga com Brinco de Pérola", de Peter Webber, que lhe garantiu o prémio BAFTA da Academia Britânica de Cinema.
João Mário Grilo trabalhou com Eduardo Serra apenas uma vez, no filme “O Processo do Rei” (1989), inspirado no processo que levou à destituição do rei português Afonso VI, intentado pela mulher, Maria de Saboia.
“Hipotequei quase nove anos de trabalho por causa da pesquisa para este filme. Portanto foi uma aliança verdadeiramente decisiva [com Eduardo Serra] porque a imagem e a fotografia tinham uma importância equivalente à da palavra”, recordou o realizador à Lusa.
“A minha cumplicidade com Eduardo Serra foi construir visualmente o século XVII português, um trabalho muito complexo porque a Lisboa da época desapareceu com o terramoto de 1755. Houve todo um trabalho de arqueologia e ligação entre vários espaços do país. A inteligência e sensibilidade dele foram essenciais para construir essa atmosfera, dando a ideia de que o filme todo se passava num Paço da Ribeira desaparecido”, lembrou.

O cineasta evocou ainda o “trabalho exaustivo” que ambos realizaram em torno da pintura nesse filme: “Para nós, a pintura era um modo de perceber o tema central do filme, sobre a majestade do rei. Temos muitos anos de República e não percebemos hoje o que é o conceito de majestade. Foi esse conceito que conduziu os destinos da Europa durante largos séculos e a única forma de o perceber é através da pintura”.
“Houve todo um trabalho de cumplicidade e de construção da arquitetura do filme que passou pela luz e enquadramento. Ele foi uma grande companhia na preparação do filme, com uma rodagem muito difícil e longa, por ser de época”, disse o realizador, que lamentou não ter voltado a trabalhar com Eduardo Serra no filme “Os Olhos da Ásia” (1996), “devido a um desiderato com a produção”.
“Foi o único diretor de fotografia com quem trabalhei que era capaz de explicar em cada plano a razão da luz que estava a fazer. Era uma pessoa bastante consciente de que a luz não é só o que se põe lá, mas o que se pensa mentalmente”, apontou ainda João Mário Grilo.
Eduardo Serra trabalhou também em filmes de outros realizadores portugueses, nomeadamente José Fonseca e Costa, em “A Mulher do Próximo” (1988), Luís Filipe Rocha, em “Amor e Dedinhos de Pé” (1991), e Fernando Lopes, em “O Delfim” (2001).
No estrangeiro, fez direção de fotografia para os cineastas franceses Claude Chabrol e Patrice Leconte, em mais de uma dezena de filmes, mas também com os britânicos Michael Winterbottom e Iain Softley e os norte-americanos M. Night Shyamalan ou Edward Zwick.
Presidente da República lembra carreira sem paralelo entre os diretores de fotografia portugueses
O Presidente da República manifestou hoje pesar pela morte de Eduardo Serra, lembrando uma “carreira internacional que não tem paralelo entre os diretores de fotografia portugueses” e o contributo para o cinema a nível internacional.
Numa nota oficial, Marcelo Rebelo de Sousa recorda também o diretor de fotografia português pela sua ação, em Paris, na “militância oposicionista e envolvimento nas lutas académicas”, bem como o seu trabalho com “muitos realizadores franceses”, como Claude Chabrol, e em ‘blockbusters’ (sucessos de bilheteira) como dois filmes da saga ‘Harry Potter’.
“A sua carreira internacional não tem paralelo entre os diretores de fotografia portugueses, não apenas na extensão e variedade da filmografia, mas também nas distinções (um BAFTA, duas nomeações para os Óscares)”, enfatiza o Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa lembra ainda que, “não sendo o único português com sucesso em Hollywood”, Eduardo Serra “foi quem mais decisivamente contribuiu para a luz e a imagem” nos filmes em que trabalhou, salientando, em particular, o papel no filme ‘Rapariga do Brinco de Pérola’.
O chefe de Estado lembra a colaboração também com cineastas portugueses, como Fernando Lopes ou José Fonseca e Costa, e manifesta à família do diretor de fotografia o “pesar e reconhecimento dos portugueses”.
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