Os produtores de "Joy: Um Pequeno Milagre", um novo filme sobre os pioneiros britânicos da fertilização 'in vitro' (FIV), esperam que ele destaque o estatuto “frágil” do tratamento de fertilidade, com ameaças conscientes em lugares como os EUA e a disponibilidade cada vez menor no Reino Unido.
Lançado sexta-feira na Netflix, este é o relato da oposição sustentada e ampla que um trio de cientistas do Reino Unido enfrentou enquanto era pioneiro no então altamente controverso tratamento no final dos anos 1960 e 1970.
Apresentando Bill Nighy, ator popularizado por "O Amor Acontece" e nomeado para os Óscares com "Viver" (2022), James Norton e Thomasin McKenzie, o filme acompanha as suas lutas perante uma oposição liderada pela Imprensa e Igreja, culminando no nascimento bem-sucedido de Louise Joy Brown em 1978.
Brown, a primeira "bebé-proveta" do mundo, tem hoje 46 anos e disse à agência France-Presse (AFP) que recebe o filme com satisfação, que dá ao trio “o reconhecimento que todos merecem”.
Mas apesar de mais de 10 milhões de nascimentos pela FIV desde o seu, o lançamento do filme surge com o tratamento cada vez mais atacado por alguns conservadores dos EUA e com os esforços legais para restringir a sua utilização a ganhar força.
O conservadorismo religioso e cultural noutros países, incluindo na Europa, e a crise do financiamento público dos cuidados de saúde têm visto a sua disponibilidade cada vez mais limitada.
Para os atores e os criadores de “Joy”, tudo isto torna o seu filme ambientado há cinco décadas tão relevante como sempre.
“Estamos sob os ombros de muitas, muitas pessoas que deram muito e estarmos 50 anos depois num lugar onde esse progresso é incrivelmente frágil é muito, muito assustador”, disse Norton à AFP numa entrevista recente.
E reforçou: “É por isso que este filme é tão fortuitamente importante.”
Medo
O realizador Ben Taylor, que tem dois filhos concebidos através de FIV, disse que a equipa queria “celebrar e contar a história da origem deste procedimento que mudou o mundo”, em vez de se focar nas controvérsias contemporâneas.
"Mas a nossa história também é sobre oposição. É sobre o medo. É sobre a ignorância e as pessoas que tentavam atrapalhar algo que só estava a ser desenvolvido puramente para o bem, apenas para dar esperança às famílias", explicou.
“Então, se isso servir de espelho agora para um debate semelhante, espero que prove o mesmo.”
Com um argumento tenso, humor e bana sonora edificante - abre com "Here Comes the Sun", dos Beatles - "Joy" transforma um conto potencialmente árido de descoberta científica numa história engraçada e comovente.
Os seus criadores optaram por contá-la através de Jean Purdy (1945-1985) (interpretada por McKenzie), uma enfermeira e embriologista cujo papel fundamental no pioneirismo da FIV foi durante muito tempo ignorado.
O seu nome só foi adicionado a uma placa azul no hospital do norte da Inglaterra, onde a equipa trabalhou durante anos, em 2015.
Nas quatro décadas anteriores, a placa homenageava apenas os seus colegas do sexo masculino, o vencedor do Prémio Nobel de Medicina de 2010, Robert Edwards (1925-2013) (Norton) e Patrick Steptoe (1913-1988) (Nighy).
A ocultação de Purdy para o reconhecimento foi o que primeiro atraiu Nighy para o papel.
“Foi mais uma oportunidade para colocar uma bomba sob a tendência masculina de rejeitar a contribuição das mulheres para qualquer coisa”, explicou.
“Existem muitos, muitos casos, desde o ADN até à FIV”, acrescentou.
Pessoal
Além de Taylor, várias outras pessoas envolvidas em “Joy” tiveram experiência direta no uso da FIV para conceber, tornando o processo de produção profundamente emocional.
“Muita experiência pessoal foi investida neste filme, tanto na escrita como na produção”, observou Norton. “Era evidente nas páginas – chorei quando li.”
Os argumentistas Jack Thorne e Rachel Mason, marido e mulher, que passaram por sete rondas de FIV antes de dar as boas-vindas ao filho, esperam que o filme aumente a consciencialização sobre a disponibilidade cada vez menor do tratamento na Grã-Bretanha.
Mason diz que o Serviço Nacional de Saúde do país, com falta de dinheiro, raciona cada vez mais o acesso, por isso agora a questão resume-se a "onde é que se mora ou o dinheiro que tem".
“As pessoas que agora fazem a FIV são aquelas que podem pagar para fazê-la”, repete Thorne.
"Está errado... e espero que este filme levante a questão sobre como nos sentimos como sociedade em relação a isso."
Brown observa que isso ia contra o espírito dos cientistas pioneiros aos quais ela deve a sua vida.
Ela cresceu a conhecer o trio, comparando-os a "uma grande família", e forjou uma amizade de décadas com Edwards em particular.
Ele compareceu ao seu casamento e conheceu os seus próprios filhos.
"Bob, Patrick e Jean queriam que estivesse disponível para todos - pessoas normais, comuns, trabalhadoras - e concordo", disse Brown antes da estreia de "Joy" no Festival de Cinema de Londres, no mês passado.
“Acho que todos deveriam poder ter isto.”
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