
O filme acompanha João, um rapaz de 10 anos, que vive muito centrado no meio digital, na rapidez das redes sociais e no vício pelos videojogos, que moldam a sua imaginação, ao ponto de viver a sua própria vida como se de um jogo se tratasse.
A dada altura, João é levado pela mãe (interpretada pela cantora Áurea) até à vila alentejana onde vive o avô (interpretado por Carlos Areias), um ex-projecionista apaixonado por cinema que se recusa a vender o seu antigo videoclube e que anima os moradores da vila com os seus filmes e as suas histórias.
Filmado entre Lisboa e Cabeço de Vide, no Alentejo, o filme desenrola-se a par com o desenvolvimento da relação entre o avô e o neto, distantes no início, mas que se aproximam através da paixão pelo cinema.
A narrativa cruza universos tão distintos como o cinema mudo, a animação, os videojogos, o cinema contemporâneo com os seus efeitos especiais – como "Matrix", "Titanic" ou "Parque Jurássico" – e os grandes clássicos – como "O Feiticeiro de Oz" ou "Casablanca".
"A ideia principal nasce do facto de ser pai de um miúdo de 15 anos e de uma criança de 9, e pensar assim: será que não há um filme português que consiga falar com esta malta que tem redes, videojogos, YouTube, e ao mesmo tempo fazer aqui uma ponte de ligação com todos os clássicos que foram tão importantes para outras pessoas noutras gerações? Ou seja, os avós, os pais, porque o 'gap' geracional está cada vez maior", contou o realizador em entrevista à Lusa.
Inspirado diretamente em "Cinema Paraíso", de Giuseppe Tornatore, Diogo Morgado reconhece a dívida desse clássico italiano à sua própria formação.
"É, sem dúvida, a maior inspiração. É uma homenagem, um tributo a esse filme que foi tão importante na minha vida", afirmou, acrescentando: "Eu lembro-me de ter 10 ou 11 anos quando o vi pela primeira vez […]. Eu lembro-me de aquilo me levantar muitas questões e de falar com os meus pais sobre isso e de repente aquele filme ficou comigo durante muito tempo e eu pensava muitas vezes nele".
Essa preocupação em levantar questões e suscitar reflexões atravessa "O Lugar dos Sonhos", já que, no filme, a realidade dos jovens contemporâneos — saturada de estímulos digitais — encontra-se com a magia dos clássicos do cinema.
Hoje em dia "parece que é difícil haver filmes e histórias que façam [as crianças] pensar um bocadinho e refletir um bocado sobre o mundo e, ao mesmo tempo, criar uma história que não fosse uma crítica dura aos tempos modernos, mas sim um convite a criar pontos, a criar ligações, a encontrar nestes avós uma pertinência extremamente crucial e importante na vida dos netos", explicou.
No entanto, o objetivo deste filme foi ainda mais abrangente, porque, no fundo, "é um cocktail de coisas" que Diogo Morgado "sentia como pai, como espectador, como ator também, e que quis passar para filme".
No entanto, o ator e realizador, que assina este filme também como argumentista, quis criar uma obra que não se limitasse a um público juvenil.
"É um filme sobretudo para todos. Não posso dizer que é um filme infantil ou juvenil, mas é um filme que, se a malta mais nova for ver, vai identificar-se com muita coisa. Os pais também e os jovens há mais tempo, por assim dizer, também."
O elenco reúne nomes como Carlos Areia e a cantora Áurea, que se estreia no cinema, duas escolhas pensadas desde o início.
"O Carlos Areia era alguém que recorrentemente vinha à minha cabeça. Felizmente, quando ele leu o argumento, ficou connosco. É o avô perfeito para aquele neto naquele momento", disse.
Sobre Áurea, Diogo Morgado lembrou-se de quando há muitos anos viu um concerto em Corroios de "uma miúda loira, descalça", com um nome invulgar, que lhe suscitou muita curiosidade, e que, mais tarde, numa entrevista revelava o sonho antigo de ser atriz.
"Quando lhe pedimos para fazer um vídeo a representar, toda a gente foi unânime em dizer que era a pessoa perfeita", recordou, considerando que Áurea é "muito intuitiva" e foi a escolha certa.
Com produção independente da SLX, Cinemática e TVI, "O Lugar dos Sonhos" foi feito, nas palavras de Diogo Morgado, com o apoio "da utopia".
"É a minha sexta longa-metragem de cinema independente. Temos apoios locais, apoios logísticos, mas o investimento é nosso", revelou, sublinhando que "todos estes filmes são um risco muito grande e dependem da ida das pessoas às salas. Um filme chamado ‘O Lugar dos Sonhos’ tem que saber sonhar".
A convicção ganha ainda mais peso num panorama em que o cinema luta por reconquistar público depois da pandemia, afirma Diogo Morgado, considerando que "o cinema sofreu bastante a seguir ao covid, porque as pessoas investiram muito em sistemas em casa, houve uma explosão gigante de ofertas em ‘streaming’ e as pessoas desabituaram-se de ir ao cinema".
Por isso, para o realizador, "O Lugar dos Sonhos" é também um apelo à experiência coletiva do cinema.
"O que eu procuro também fazer com este filme é relembrar a importância da magia de ver um filme numa sala escura, com mais pessoas ao lado, de sentir a reação delas".
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