A cineasta polaca Agnieszka Holland expõe em toda a sua dureza a crise dos refugiados na fronteira entre a Polónia e Bielorrússia com "Green Border" ("Fronteira Verde", em tradução literal), apresentado em competição na 80ª edição do Festival de Veneza nesta terça-feira (5).
"Um ataque intenso e inteligente contra a injustiça e o terror na fronteira", na crítica da Variety, filmado em preto e branco, o filme de duas horas e meia gira à volta da crise desencadeada em 2021, pouco antes da guerra na Ucrânia, quando milhares de refugiados de países destruídos, como Síria e Afeganistão, chegavam todos os dias às densas florestas da região.
À crueldade dos guardas fronteiriços bielorrussos, que roubam e maltratam os emigrantes antes de expulsá-los, os seus colegas polacos respondem com expulsões "no calor do momento", em plena noite, graças à situação de emergência decretada pelo governo.
O resultado é um pingue-pongue angustiante, de famílias inteiras atiradas de um lado para o outro da fronteira, sem nenhum recurso legal possível, expostas ao frio e à boa vontade de poucos ativistas e moradores da região.
O drama continua até hoje, escondido pelos dois milhões de ucranianos que cruzaram a fronteira para a Polónia após a invasão russa.
O maior desafio para a Europa
"O meu pecado é ter nascido com o pior passaporte possível", murmura um das personagens deste filme duro e combativo, filmado ao serviço de uma causa.
"Acredito que a crise dos refugiados, dos migrantes, é o desafio que marcará o futuro da Europa", declarou a cineasta na conferência de imprensa.
"Escolhemos um foco épico, com diferentes pontos de vista, porque temos a impressão de ser os primeiros que contamos esta história", acrescentou.
Para filmá-la, Holland montou uma equipa de atores destes países destruídos pela guerra.
Atores como o sírio Jala Altawil, que fugiu do seu país em 2015 com a sua família e permanece como refugiado na França, e a afegã Behi Djanati Atai, e estrelas do cinema polaco como Maja Ostaszewska ("A Lista de Schindler"), que interpreta uma psicóloga que decide tomar partido perante a tragédia.
O filme não pretende dar uma visão completa de um problema complexo, que não se limita às fronteiras da Europa, mas que chegou e colocou à prova os serviços sociais de todos os países envolvidos.
"Green Border" ("Zielona Grieca" em polaco) limita-se a denunciar um drama humano de um ponto de vista concreto, num momento decisivo da história contemporânea europeia.
Outro filme em competição em Veneza, "Io Capitano", de Matteo Garrone, também narra a odisseia dos migrantes do sul, neste caso dos que cruzam o Mediterrâneo.
"Europa, o continente da liberdade, da democracia, os direitos humanos, vai converter-se numa espécie de fortaleza na qual as pessoas que querem chegar ao nosso continente serão assassinadas por nós, os europeus", denunciou Agnieszka Holland
Agnieszka Holland, de 74 anos, teve como mentores Krzysztof Zanussi e Andrzej Wajda e é dona de uma longa, variada e premiada carreira cinematográfica (e também no pequeno ecrã, nomeadamente com quatro episódios de "House of Cards").
Em 1989, rodou "Europa, Europa", sobre a história verídica de um judeu que escapa de um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial e, para sobreviver, passou por ariano puro e juntou-se à Juventude Hitleriana, um grande sucesso de crítica e bilheteira. Foi nomeada para o Óscar de Melhor Argumento Adaptado e esteve ainda na corrida às estatuetas douradas na categoria de Melhor Filme Internacional com "Bittere Ernte" (1985) e "Fuga na Escuridão" (2011).
Em 1995, dirigiu "Eclipse Total", uma versão cinematográfica da paixão entre os poetas Rimbaud e Verlaine na França do século XIX, com Leonardo di Caprio.
Em 2019, "Mr. Jones", uma longa-metragem que aborda pela primeira vez o "Holodomor", a fome que a Ucrânia sofreu por ordens do ditador soviético Josef Stalin.
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