A história emocionante da viagem de um africano à Europa e um filme comovente sobre refugiados na fronteira da Polónia, que irritou o governo do país, acirraram a corrida aos prémios no Festival de Cinema de Veneza.
"Io Capitano", exibido na quarta-feira, é o mais recente do realizador italiano Matteo Garrone, conhecido pelo drama mafioso "Gomorra".
O drama épico acompanha dois ingénuos jovens de 16 anos que deixam o Senegal rumo à Europa, apenas para serem roubados, torturados e escravizados ao longo do caminho e, finalmente, a bordo de um barco perigosamente frágil para a Itália.
Garrone disse aos jornalistas que queria acabar com a complacência dos europeus em relação aos migrantes que chegam por mar.
“Durante anos vimos barcos a chegar através do Mediterrâneo – às vezes eles são salvos, às vezes não”, disse ele.
“Com o tempo, habituámo-nos a pensar nessas pessoas como números e perdemos de vista que, por trás dos números, existe todo um mundo de famílias, sonhos, desejos”, notou.
O realizador disse querer “colocar a câmara do outro lado – em África, apontada para a Europa – para contar a sua viagem e vivê-la com eles”.
O seu filme chegou a Veneza um dia depois de outro drama poderoso sobre migrantes, “Green Border”, que se concentra nos refugiados presos entre as fronteiras da Bielorrússia e da Polónia em 2021.
Os críticos ficaram impressionados, com o do jornal The Guardian a chamar-lhe um "drama brutal, zangado e esgotante, num preto e branco sombrio".
Mas o filme desencadeou uma resposta furiosa do ministro da Justiça do seu país, Zbigniew Ziobro, que o comparou à propaganda nazi porque criticava a Polónia.
A sua realizadora polaca, Agnieszka Holland, de 74 anos, disse aos jornalistas em Veneza: “A Europa está no processo de perder as suas convicções”.
"Temos de enfrentar o verdadeiro desafio. A Europa, o continente da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, desaparecerá... Irá transformar-se numa espécie de fortaleza onde as pessoas que queiram chegar ao nosso continente serão mortas por nós, pelos europeus", disse.
Profunda injustiça
Com o festival a terminar no sábado, os dois filmes complicaram a corrida ao Leão de Ouro.
Os primeiros candidatos ao prémio principal incluíram filmes brilhantes de Hollywood, como "Pobres Criaturas", com Emma Stone como um cadáver reanimado sexualmente voraz, e "Maestro", em que Bradley Cooper se transforma no lendário maestro e compositor Leonard Bernstein.
Mas os filmes sobre migrantes têm um impacto político que poderá influenciar o júri, liderado por Damien Chazelle ("La La Land"), que inclui Jane Campion e a vencedora do Leão de Ouro do ano passado, Laura Poitras.
Garrone destacou que existem muitos tipos de migração impulsionados pela guerra e pelo desespero, mas o seu filme centra-se nos “jovens prontos a arriscar as suas vidas por um futuro melhor”.
“Isso destaca uma profunda injustiça”, disse ele.
“Eles não entendem por que os jovens [da Europa] podem vir de férias para o seu país, mas se quiserem ir para o Ocidente, enfrentam muitas vezes um perigo mortal”, destacou.
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