Espectadores de um público de 200 pessoas lutam para conter as lágrimas enquanto rolam os créditos finais do filme "Eu Capitão" num pequeno auditório nos arredores de Dakar, capital do Senegal.
A multidão passou duas horas a acompanhar dois adolescentes senegaleses que arriscam as suas vidas para chegar à Europa, enfrentando uma viagem cansativa através do Sahara, a tortura nas prisões da Líbia e a indiferença da Europa relativamente à sua situação.
Após ganhar prémios no Festival de Cinema de Veneza e receber nomeações para os Óscares e Globos de Ouro, o filme voltou ao país onde tudo começou.
O seu realizador, os atores e a equipa em geral embarcaram numa digressão de doze datas de projeções por todo o país da África Ocidental com a fundação Cinemovel, programada para decorrer até ao final de Abril.
"Este filme ensina-nos que há enormes riscos envolvidos na imigração ilegal. A pergunta que quero fazer ao público é se vale a pena arriscar a vida para tentar chegar a outro continente", perguntou um membro da audiência após o filme terminar, ganhando um salva de palmas.
Mamadou Kouassi, cuja história inspirou o argumento, respondeu do palco.
"Todos terão um ponto de vista diferente. Mas a minha opinião é que não se deveria esconder. Todos deveriam ser livres para se deslocar de um continente para outro", disse.
Corpos atirados ao mar
A imigração ilegal é uma realidade diária para milhares de pessoas no Senegal, onde quase não passa um dia sem que haja notícias de uma chegada às Ilhas Canárias espanholas, de uma interceção ou de um naufrágio.
Enquanto alguns seguem a traiçoeira rota do Atlântico, outros viajam pela região do Sahel e depois atravessam o Mediterrâneo – a rota seguida pelos protagonistas do filme.
“Este filme é muito poderoso e deixou uma impressão profunda em mim porque eu mesmo vivi a história”, disse El Hadji Issa Diouf, um pescador de 42 anos.
“Já andei três vezes na piroga para tentar chegar à Europa. Vi com os meus próprios olhos uma mulher dar à luz numa piroga, vi pessoas vomitarem a ponto de perderem a vida, vi corpos atirados ao mar durante as minhas viagens ilegais. Este filme faz-me reviver uma realidade do continente africano", acrescentou.
“Peço ao realizador que exiba este filme em todas as cidades costeiras do Senegal... Talvez esta digressão aumente a sensibilização, porque todas estas cidades perderam muitos jovens a tentar chegar à Europa por mar”, disse o pescador.
Marieme Fall, uma espectadora na casa dos 20 anos, disse que o filme "mostra-nos que é melhor tentar ter sucesso em África do que fazer esta viagem".
“Passei por todos os tipos de emoções ao assistir, até chorei porque disse a mim mesma que conheço pessoas que passaram pela mesma jornada e morreram durante ela", acrescentou.
Uma experiência
“Este não é um filme que dá uma resposta, mas sim um filme que dá ao público uma experiência”, disse à France-Presse o realizador italiano do filme, Matteo Garrone.
“Não sou ninguém para dizer a alguém para não ir embora”, acrescentou.
Seydou Sarr, o protagonista de 19 anos, que ganhou um prémio no Festival de Cinema de Veneza, expressou orgulho por exibir o filme no seu próprio país.
Ele disse que agora conhece a 'realidade' dos perigos que aguardam os possíveis imigrantes, não tendo sabido nada antes de participar no projeto.
Mamadou Kouassi, que hoje trabalha como mediador intercultural, contou como partiu para a Europa em 2005, aos 19 anos, vivendo uma “viagem atroz” e passando três anos na Líbia a temer diariamente a morte.
“A partir do momento em que uma pessoa decide partir, ninguém pode impedi-la”, disse, acrescentando que os jovens devem poder acreditar nos seus sonhos, mas que a legislação deve ser alterada “para que não sofram como nós”.
“O público está a pedir-nos para fazer uma sequela após a chegada da dupla à Europa”, disse Kouassi.
"Fui abusado [em Itália]. Trabalhei 14 horas a ganhar apenas 20 euros em campos de tomate perto de Nápoles", recordou, instando o governo de extrema-direita italiano a introduzir uma política de acolhimento de migrantes mais justa.
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