“Colo”, de Teresa Villaverde, está nas salas portuguesas depois de um longo percurso no circuito dos festivais. A trajetória começou em grande estilo – integrando a Competição do Festival de Berlim de 2017. Em Portugal, dois meses mais tarde, abriu o IndieLisboa.

O filme narra as desventuras emocionais dos três membros de uma típica família portuguesa – composta por um casal (João Pedro Vaz e Beatriz Batarda) e uma filha adolescente (Alice Albergaria). Eles vivem um momento difícil, onde a incomunicabilidade progressiva entre eles cruza-se com os problemas económicos que assolavam o país no auge da crise de há alguns anos.

Os tempos parecem melhores, conforme explica a cineasta ao SAPO Mag, “há mais esperança, o que é importante, mas não pode provocar cegueira coletiva.”

Aquela família parece a ponto de desmoronar a qualquer momento: a mãe tem dois empregos, o pai não tem nenhum e a filha é adolescente, o que é suficiente para explicar as suas inquietações. Os personagens estão no limite e a afabilidade dos gestos esconde uma quase incapacidade de diálogo afetivo.

“O filme fala da dificuldade, talvez crescente, da comunicação dentro da família, o que vai provocando o aumento dos níveis de solidão de cada um. E se estamos mais habituados à solidão, é-nos mais difícil procurar o outro para explicar o que temos dentro de nós”, explica Villaverde.

Exaustão

Os personagens têm trajetórias erráticas, estão sempre a “desaparecer” fisicamente e onde, à exceção da mãe de família, que sai para trabalhar, ninguém tem muito para onde ir e têm todo o tempo para gastar...

“Percebemos que a mãe é uma mulher que está exausta”, observa. “Ela precisa de uma ajuda que o seu marido não lhe consegue dar por estar ele exausto também, embora de uma outra forma. A angústia da desocupação pode ser muito grande, o sentimento de inutilidade quando se perde o trabalho, a função na sociedade. O que é aflitivo é ser assim, é uma pessoa sentir-se sem papel na sociedade pelo facto de ter perdido o trabalho, o ordenado”.

Já a menina traduz as angústias da adolescência e de uma rebeldia natural da idade. “A filha é uma adolescente, vive o momento em que tradicionalmente as relações entre pais e filhos atravessam momentos mais complicados, e se em cima disso, surge um outro problema ainda maior, e inesperado, para o qual ninguém estava preparado, a coisa complica-se ainda mais.”

Esperanças

Em que medida Villaverde enquadra essas realidades pessoais/familiares com a crise económica com a qual os personagens convivem?

“Penso que qualquer pessoa que tenha, às vezes, dificuldade em pagar as contas mensais, e isto é quase a totalidade da população portuguesa pelo facto dos salários serem muito baixos, sabe a tensão que isso causa. Se em cima disso se perder uma das fontes do rendimento familiar, no caso, um dos membros do casal perde o trabalho, a tensão aumenta. E quando não se vê resolução à vista, o que pode sentir uma pessoa? Pode revoltar-se, reagir, ou pode calar-se e deprimir-se”.

A crise, em teoria, já passou e a situação melhorou. Será?

“Penso que em Portugal a maioria das pessoas se deprimiu na altura e é muito injusto hoje acharmos que elas já não existem. Estamos lá ainda. Gostamos muito de dizer ‘um por todos, e todos por um’, mas infelizmente isso não corresponde a nada na vida real. O país abstrato melhorou, mas o país da vida de cada um, em muitíssimos casos, está exatamente na mesma”, defende a realizadora.

No entanto, há um otimismo maior.

“Agora existe uma esperança coletiva que ainda há pouco não existia. Isto é muito importante, fundamental, mas é injusto para muita gente se essa esperança provocar uma cegueira coletiva em relação ao que realmente se passa ainda em muitas das nossas casas”, conclui.

Trailer.