Uma atriz francesa acusou um realizador 25 anos mais velho de manipulá-la para um relacionamento quando era adolescente, contribuindo para as críticas de que a indústria artística deu cobertura a abusos.
Este fim de semana, Judith Godrèche, de 51 anos, disse no Instagram que o realizador Benoit Jacquot se aproveitou dela quando era uma vulnerável atriz menor de idade.
Jacquot, de 76 anos, não respondeu aos pedidos de esclarecimentos.
Godrèche disse que conheceu Jacquot quando tinha 14 anos e permaneceu "sob o seu controlo" durante seis anos, protagonizando dois filmes que ele dirigiu, "Les Mendiants" (1987) e "La désenchantée" (1990).
Ela decidiu reagir ao descobri-lo a gabar-se que o relacionamento deles era uma “transgressão”, e o cinema a dar “cobertura” para isso, num documentário de 2011.
“Vomitei”, disse Godrèche ao canal de televisão TMC na noite de segunda-feira (8), ao vê-lo desfrutar de tal “impunidade”.
“O consentimento não existe quando se tem 14 anos”, disse.
"Não fui seduzida, fui completamente manipulada", acrescentou.
As suas acusações surgem numa altura em que o cinema francês é abalado por alegações de ignorar o sexismo e o abuso sexual há décadas.
No centro da tempestade estão as acusações contra o ícone do cinema Gérard Depardieu, de 75 anos, que foi acusado de violação e enfrenta mais de uma dúzia de outras acusações de agressão ou assédio, que nega.
Os seus apoiantes alegaram que criticá-lo equivale a “atacar a arte”, e o presidente francês Emmanuel Macron defendeu-o.
"Pelas nossas filhas"
O premiado Benoit Jacquot, um realizador com mais de 50 filmes e telefilmes em seu nome, como "L'école de la chair" (1998),"Sade" (2000), "Adeus, Minha Rainha" (2012), "3 Corações" (2014), "Diário de Uma Criada de Quarto" (2015) e "Eva" (2018), disse que precisa estar “apaixonado” pelas suas atrizes para as filmar.
Ele trabalhou com pesos pesados consagrados como Catherine Deneuve e Isabelle Huppert, mas também com Godrèche, Virginie Ledoyen - conhecida pelo 'thriller' "A Praia" - e Isild Le Besco quando era adolescente.
Em 2015, ele descreveu o seu trabalho como “empurrar uma atriz para ultrapassar um limite... a melhor maneira de fazer tudo isso é estar na mesma cama”.
Judith Godrèche foi uma das que, em 2017, se manifestou contra o produtor de cinema norte-americano Harvey Weinstein, no auge do movimento #MeToo.
As suas últimas declarações surgem depois de a editora Vanessa Springora, no livro "Consentimento", de 2020 (entretanto levado ao cinema no ano passado), gerar comoção na sociedade francesa ao descrever como foi seduzida pelo escritor Gabriel Matzneff quando tinha 14 anos, um ponto de viragem na discussão sobre a pedofilia na França e os encobrimentos de uma sociedade complacente.
Matzneff, de 87 anos, não escondeu a sua preferência por sexo com adolescentes menores de idade.
Desde 2021, porém, o sexo com menores de 15 anos é considerado violação, a menos que haja uma pequena diferença de idade entre ambos os parceiros.
Nas redes sociais, Godrèche disse que identificava Jacquot "em homenagem às nossas filhas... aqueles de vocês que me escrevem a contar que a [minha] história, que foi 'romantizada' na imprensa da época, vos levou a ficarem encurraladas por um adulto que abusou do seu poder".
"O nome dele é Benoit Jacquot. Ele ainda manipula aquelas que poderiam associar o seu nome ao meu. Falem", disse.
Anne-Cecile Mailfert, presidente da Fundação das Mulheres, foi uma das feministas que a elogiaram por ser corajosa.
“Contribui para a transformação de uma sociedade que já não é tão tolerante como era relativamente a estes temas e está a abrir os olhos para o facto de que não, a arte não desculpa tudo”, afirmou.
“Isso mostra que o #MeToo é uma revolução fundamental e profunda, e que ainda não terminámos de ver as suas réplicas”, notou.
Na terça-feira, o diretor de teatro Philippe Caubere, de 73 anos, disse que se arrependia de um relacionamento que teve com uma jovem de 16 anos quando tinha 61, após ela apresentar queixa contra ele.
"Momento de parar"
No seu último trabalho, uma minissérie satírica lançada em dezembro, Judith Godrèche alude a um relacionamento problemático na adolescência, mas não identifica o nome de Jacquot.
Em "Ícone do Cinema Francês" (tradução literal), que escreveu e dirigiu, ela interpreta o seu alter ego a tentar regressar ao cinema francês, com 'flashbacks' da sua experiência como jovem atriz com um realizador chamado "Eric".
Alma Struve, de 15 anos, interpreta a adolescente Godrèche, que numa cena consome muito álcool num jantar formal.
Noutro momento, mostra a sua versão mais jovem a filmar uma cena de topless.
“Quando se tem 15 anos e existe uma cena de topless, são 45 tomadas, tem de se beijar um homem de 45 anos e esse homem é o seu realizador, é uma loucura que não existisse nenhum adulto no set para dizer ‘Basta, é o momento para parar'", disse à revista Elle em dezembro.
Para a sua série, ela disse que contratou um coordenador de intimidade e um sósia, e que estava “fora de questão” que a sua atriz menor de idade beijasse um adulto.
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