(*) Notícia atualizada às 17h20.
Ameaça aos programas de entrevistas, como os de Stephen Colbert, Jimmy Kimmel, Jimmy Fallon, Seth Meyers, Bill Maher, John Oliver, de variedades como o "Saturday Night Live", e às séries?
Por falta de acordo com os estúdios e plataformas de streaming, uma greve de mais de 11 mil argumentistas de cinema e televisão americanos por aumentos salariais chegou a Hollywood após ter expirado um pré-aviso.
O poderoso sindicato dos argumentistas, o Writers Guild of America (WGA), anunciou que a greve começava esta terça-feira, quando for uma da tarde em Los Angeles (nove da noite no horário de Lisboa), após terem falhado as últimas negociações com os principais estúdios e plataformas de entretenimento, incluindo Disney e Netflix, na segunda-feira à noite.
O anúncio aconteceu depois que a Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP, na sigla em inglês), que representa empresas como Disney ou Netflix, afirmou em um comunicado que as negociações "terminaram sem um acordo".
O sindicato anunciou no Twitter que os seus membros votaram de forma unânime a favor da greve.
As respostas dos estúdios às exigências da categoria foram "insuficientes, dada a crise existencial que os argumentistas estão a enfrentar", afirmou o sindicato.
Os programas noturnos de entrevistas, conhecidos como "late shows", serão interrompidos de imediato, e as séries de televisão e filmes programados para estrear no final deste ano e nos meses seguintes podem sofrer grandes atrasos, apesar dos estúdios e plataformas assumidamente se terem "prevenido" com a produção de muito "conteúdo", como revelou David Zaslav, líder da Warner Bros. Discovery.
Já Ted Sarandos, diretor executivo da Netflix, reagia em abril à possibilidade de greve dizendo que a plataforma tinha muitas séries e filmes do resto do mundo.
Os apresentadores Stephen Colbert e Jimmy Fallon apoiaram a luta dos argumentistas: Colbert considerou "razoáveis" as suas exigências e Fallon disse que "não poderia fazer o programa sem eles".
Os membros do WGA pediram solidariedade aos colegas de profissão: "Larguem suas canetas!", partilhou nas redes sociais Caroline Renard, argumentista de vários programas e séries de TV.
Da última vez que houve um conflito sindical deste tipo em Hollywood, a 5 de novembro de 2007, os argumentistas paralisaram as suas atividades durante 100 dias, o que custou à indústria do entretenimento de Los Angeles cerca de 2 mil milhões de dólares, afetando a produção e qualidade de filmes e séries.
Um dos exemplos mais célebres do impacto é "007 - Quantum of Solace", o segundo filme e consensualmente visto como o pior de Daniel Craig como James Bond, um dos muitos filmes apressados para entrar em produção por causa da greve tendo o que o ator descreveu como "a estrutura mínima de um argumento".
"Depois chegou a greve dos argumentistas e não havia nada que pudéssemos fazer", recordaria mais tarde.
"Não podíamos contratar um argumentista para terminá-lo. Digo a mim mesmo: 'Nunca mais', mas quem sabe? Lá estava eu a tentar reescrever cenas - e argumentista é o que eu não sou", acrescentava.
Uma greve em 1988 durou 153 dias e outra em 1985 ficou pelos 14.
O WGA acusou os estúdios de tentarem fazer com que os argumentistas sejam tratados "por completo como contratados independentes".
Já a AMPTP afirmou que ofereceu uma "proposta de pacote integral", com pagamentos maiores, mas que não está disposta a melhorar a proposta "devido à magnitude de outras propostas que estão sobre a mesa".
Desta vez, os argumentistas exigem salários mais altos e uma maior participação nos lucros do streaming, isto é, na distribuição dos conteúdos através da internet. Por outro lado, os estúdios e as plataformas dizem que precisam reduzir custos devido às pressões económicas.
O que está em jogo é "determinar como seremos compensados financeiramente pela difusão em streaming", não apenas agora, mas também no futuro, disse à France-Presse um argumentista de televisão de Los Angeles.
Os argumentistas dizem que está a ser difícil ganhar a vida com o seu trabalho, com salários desfasados ou mesmo em queda devido à inflação, enquanto os seus empregadores obtêm lucros e aumentam os salários dos seus executivos.
Estima-se que nunca tenha havido tantos argumentistas a trabalhar pelo salário mínimo fixado pelos sindicatos, enquanto os canais de televisão contratam menos pessoas para escrever séries, que são cada vez mais curtas.
Netflix, "única plataforma lucrativa"
Um dos principais pontos de discórdia é sobre como os argumentistas são pagos pelas séries difundidas por streaming, que em plataformas como a Netflix costumam permanecer disponíveis durante anos após terem sido escritas.
A AMPTP afirmou que a exigência do sindicato por "funcionários obrigatórios" nos estúdios, o que implicaria um quadro fixo de argumentistas "durante um período específico, sejam eles necessários ou não", foi um dos pontos de divergência.
Outro ponto foi a fórmula de pagamento dos argumentistas das séries exibidas nas plataformas de streaming, que em empresas como Netflix costumam ficar disponíveis durante anos.
Há várias décadas, os argumentistas recebem "direitos residuais" pela reutilização das suas obras, por exemplo, em repetições de televisão ou vendas de DVD. Isto é, uma percentagem das receitas do respetivo estúdio para o filme ou programa, ou uma taxa fixa por cada vez que um episódio é exibido.
Porém, com o streaming, os argumentistas simplesmente obtêm um pagamento anual fixo, mesmo se o seu trabalho tiver um grande sucesso, como "Bridgerton" ou "Stranger Things", vistas por milhões de espectadores em todo o mundo.
O WGA pede a reavaliação destes valores, hoje "baixos demais em vista do maciço reaproveitamento internacional" destes programas. O sindicato também quer discutir o impacto futuro da inteligência artificial na profissão de argumentista.
Os estúdios, representados pela Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (Alliance of Motion Picture and Television Producers - AMPTP), afirmam que os "pagamentos residuais" aos argumentistas atingiram um recorde de 494 milhões de dólares em 2021, contra 333 milhões dez anos antes.
Isto ocorreu, em grande parte, graças ao auge dos trabalhos de argumentistas vinculado ao aumento da procura de conteúdo por streaming.
Após os elevados gastos dos últimos anos, quando as plataformas de streaming concorrentes tentavam a todo custo aumentar os seus subscritores, os estúdios agora estão sob intensa pressão dos investidores para cortar gastos e obter lucro. E negam utilizar as dificuldades financeiras como pretexto para reforçar a sua posição nas negociações com os argumentistas.
"Acredita que Disney demitiria sete mil pessoas por diversão?", indicou um fonte próxima à AMPTP.
"Há uma única plataforma [de streaming] que é lucrativa neste momento, e esta é a Netflix. A indústria cinematográfica também é um setor bastante competitivo", afirmou.
Mas a greve dos argumentistas pode ser apenas o início: expiram em junho os contratos com o DGA, sindicato dos realizadores, e o SAG-AFTRA, o dos atores, que expressaram solidariedade com os argumentistas.
Alguns dos mesmos temas à volta do negócio dos streaming estarão presentes nessas negociações. A que juntará realizadores e a AMPTP começa a 10 de maio.
"Tudo mudou com as plataformas de streaming e todos devem ser compensados pelo seu trabalho", declarou a atriz Amanda Seyfried à revista Variety na segunda-feira.
A greve também foi apoiada esta terça-feira pelo sindicato dos produtores, que destaca que se trata de uma "decisão difícil" para lutar por uma "mudança significativa".
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