Faz esta terça-feira uma semana que começou a greve dos argumentistas de Hollywood contra os estúdios contra a precarização da profissão e por salários mais altos e maior participação nos lucros gerados pelas reproduções nas plataformas de streaming.
E se nos primeiros dias foi a televisão a mais afetada, uma nova versão de "Blade", da Marvel Studios, tornou-se a primeira grande produção de cinema afetada pela disputa.
Na sexta-feira, o estúdio notificou atores e equipa do fecho da pré-produção e já não vai arrancar com a rodagem em junho na cidade de Atlanta, um novo revés para um projeto que já perdeu um realizador e argumentista, tendo contratado recentemente Nic Pizzolatto (criador de "True Detective") para reescrever o rascunho que já existia sobre a história do caçador de vampiros, interpretado pelo vencedor de dois Óscares Mahershala Ali.
Os argumentos da maioria dos grandes 'blockbusters' costumam evoluir durante a produção, mas a Marvel tem a reputação de criar novas páginas durante a rodagem e estar habituada a ter argumentistas presentes no 'set' para fazer alterações de última hora. Mas durante a greve, os quase 11.500 argumentistas representados pelo sindicato do setor estão proibidos de escrever.
Isto significa que o estúdio pode ter em breve problemas maiores do que os da interrupção de "Blade" pois "Captain America: New World Order" já está em rodagem, tal como as séries "Agatha: Coven of Chaos" e "Wonder Man", seguindo-se o filme "Deadpool 3" no final de maio e "Thunderbolts em junho.
Fonte da Marvel reconheceu à revista The Hollywood Reporter que "há mil milhões de dólares em custos de produção que estão expostos por causa da greve. Isso é certamente uma preocupação".
Nas séries, "Stranger Things" é a mais recente a juntar-se a uma lista em atualização de paralisações até que argumentistas e estúdios cheguem a acordo que inclui "Billions", "Yellowjackets", "Cobra Kai", "Abbott Elementary", "Big Mouth", "Night Court" e "Power Book III: Raising Kanan", além dos "late shows" de entrevistas e comédia de Jimmy Kimmel, Stephen Colbert, Jimmy Fallon, Seth Meyers, John Oliver e Bill Maher, bem como o "The Daily Show" e "Saturday Night Live"
Os irmãos Duffer confirmaram no fim de semana que a rodagem dos oito episódios que fazem parte da quinta e última temporada não vai arrancar este mês, como previsto.
"Não paramos de escrever quando começam as filmagens. Embora estejamos entusiasmados por iniciar a produção com nosso incrível elenco e equipa, não é possível durante esta greve. Esperamos que um acordo justo seja alcançado em breve para que todos possamos voltar ao trabalho", escreveram os criadores e argumentistas do grande sucesso da Netflix nas redes sociais.
Segundo o sindicato dos argumentistas Writers Guild of America (WGA), as respostas dos estúdios às suas exigências foram "insuficientes, dada a crise existencial que os argumentistas estão a enfrentar".
O WGA acusa os estúdios de tentarem fazer com que os argumentistas sejam tratados "por completo como contratados independentes".
Já a Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP) afirmou que ofereceu uma "proposta de pacote integral", com pagamentos maiores, mas que não está disposta a melhorar a proposta "devido à magnitude de outras propostas que estão sobre a mesa".
Além de salários mais altos, o que está em jogo é "determinar como seremos compensados financeiramente pela difusão em streaming", não apenas agora, mas também no futuro, disse à France-Presse um argumentista de televisão de Los Angeles.
Os argumentistas dizem que está a ser difícil ganhar a vida com o seu trabalho, com salários desfasados ou mesmo em queda devido à inflação, enquanto os seus empregadores obtêm lucros e aumentam os salários dos seus executivos.
Estima-se que nunca tenha havido tantos argumentistas a trabalhar pelo salário mínimo fixado pelos sindicatos, enquanto os canais de televisão contratam menos pessoas para escrever séries, que são cada vez mais curtas.
Um dos principais pontos de discórdia é sobre como os argumentistas são pagos pelas séries difundidas por streaming, que em plataformas como a Netflix costumam permanecer disponíveis durante anos após terem sido escritas.
A AMPTP afirmou que a exigência do sindicato por "funcionários obrigatórios" nos estúdios, o que implicaria um quadro fixo de argumentistas "durante um período específico, sejam eles necessários ou não", foi um dos pontos de divergência.
Outro ponto foi a fórmula de pagamento dos argumentistas das séries exibidas nas plataformas de streaming, que em empresas como Netflix costumam ficar disponíveis durante anos.
Há várias décadas, os argumentistas recebem "direitos residuais" pela reutilização das suas obras, por exemplo, em repetições de televisão ou vendas de DVD. Isto é, uma percentagem das receitas do respetivo estúdio para o filme ou programa, ou uma taxa fixa por cada vez que um episódio é exibido.
Porém, com o streaming, os argumentistas simplesmente obtêm um pagamento anual fixo, mesmo se o seu trabalho tiver um grande sucesso, como "Bridgerton" ou "Stranger Things", vistas por milhões de espectadores em todo o mundo.
O WGA pede a reavaliação destes valores, hoje "demasiado baixos em vista do maciço reaproveitamento internacional" destes programas. O sindicato também quer discutir o impacto futuro da inteligência artificial na profissão de argumentista.
Os estúdios afirmam que os "pagamentos residuais" aos argumentistas atingiram um recorde de 494 milhões de dólares em 2021, contra 333 milhões dez anos antes.
Isto ocorreu, em grande parte, graças ao auge dos trabalhos de argumentistas vinculado ao aumento da procura de conteúdo por streaming.
Após os elevados gastos dos últimos anos, quando as plataformas de streaming concorrentes tentavam a todo custo aumentar os seus subscritores, os estúdios agora estão sob intensa pressão dos investidores para cortar gastos e obter lucro. E negam utilizar as dificuldades financeiras como pretexto para reforçar a sua posição nas negociações com os argumentistas.
"Acredita que Disney demitiria sete mil pessoas por diversão?", indicou um fonte próxima à Aliança de Produtores de Cinema e Televisão.
A greve dos argumentistas pode ser apenas o início da batalha: terminam no final de junho os contratos com o DGA, sindicato dos realizadores, e o SAG-AFTRA, o dos atores, que expressaram solidariedade com os argumentistas.
Alguns dos mesmos temas à volta do negócio dos streaming estarão presentes nessas negociações.
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