A França prepara-se para se despedir do seu grande galã cinematográfico Alain Delon, falecido no domingo aos 88 anos, um desaparecimento que provocou uma chuva de homenagens em todo o mundo, da Itália ao Japão.
Anthony, Anouchka e Alain-Fabien Delon, os seus três filhos, que estão zangados há anos, ficarão encarregues de organizar o funeral da lenda da Sétima Arte.
No domingo, eles concordaram em anunciar conjuntamente a morte do ator à France-Presse (AFP), após meses de desentendimentos sobre os cuidados médicos do seu pai.
Estrela de clássicos do cinema mundial como “O Leopardo” e “O Samurai”, Delon não foi apenas um dos grandes protagonistas franceses, mas também um ator disciplinado que soube colocar-se ao serviço de todos os tipos de realizadores da época dourada da Sétima Arte francesa.
Recluso na solidão da sua mansão, sofrendo de diversas doenças e com posições políticas ou sociais que causavam polémica, Delon expressou repetidas vezes nos últimos anos que a única coisa que desejava era ser enterrado na sua propriedade em La Brulerie, em Douchy (centro da França), onde morreu, perto dos seus cães.
Já havia “iniciado os procedimentos administrativos para isso”, disse à AFP Christophe Hurault, o vice presidente da câmara de Loiret, indicando que o município “tinha dado um acordo de princípio”.
Mas os elogios unânimes de todos os setores culturais e políticos de França apontam para algum tipo de homenagem nacional, como já aconteceu com o seu grande amigo Jean-Paul Belmondo, falecido em 2021.
O fim de uma era
Com a sua morte, fecha-se um pouco mais uma página inteira da história do cinema francês dos anos 1960-1980, poderoso e invejado a nível internacional.
Delon partiu após a maioria daqueles que amou ou com quem trabalhou: Jean Gabin, Lino Ventura, Romy Schneider, ou os cineastas italianos Luchino Visconti ou Michelangelo Antonioni.
Com as mortes de Delon e Belmondo, a última lenda viva da época é Brigitte Bardot, de 89 anos, reformada há décadas e com quem o ator contracenou em segmentos dos filmes coletivos "Amores Célebres" (1961) e "Histórias Extraordinárias" (1968).
Delon deixa “um vazio abismal que nada nem ninguém pode preencher”, escreveu a atriz em mensagem à AFP.
E acrescentou: Delon “representou o melhor do 'cinema de prestígio' francês” e foi “um embaixador da elegância, do talento e da beleza. Perco um amigo, um alter ego, um cúmplice”.
Como sinal de que a sua aura continuava a transcender fronteiras, a imprensa internacional dedicou amplo espaço à sua morte.
“Bonito e hipnótico, Alain Delon foi uma das estrelas mais misteriosas do cinema”, resumiu o crítico do jornal britânico Guardian, Peter Bradshaw.
Para a revista alemã Spiegel, que lembra Delon numa fotografia com Romy Schneider, um dos seus grandes amores, ele era “o James Dean europeu”.
“Rosto de anjo"
O seu outro país favorito, a Itália, onde passou grande parte do início da sua carreira, também lhe dedicou as manchetes.
“Nunca mais haverá um ator como Delon, único e imortal”, lamentou o Il Corriere della Sera, enquanto o La Stampa e La Repubblica dizem “Adeus ao mito do cinema francês”.
O cineasta independente norte-americano Jim Jarmusch elogiou-o nas redes sociais como “o gangster com rosto de anjo”.
E a sua influência não fica por aí.
“Ele era venerado no Japão pelo seu charme e gestos”, lembra a comunicação social local.
Na França, todos os jornais dedicaram as suas primeiras páginas de segunda-feira a Delon. O Le Figaro e o Le Parisien, elogiam “o último samurai”, enquanto o Libération colocou “Sono profundo” como título sob uma foto a preto e branco do ator, com cigarro na boca.
As homenagens multiplicaram-se no domingo e para lá do mundo da cultura.
“A dança acabou”, lamentou à AFP a sua parceira em “O Leopardo”, a atriz italiana Claudia Cardinale, evocando a famosa sequência do baile no filme de 1963 assinado por Visconti.
A francesa Mireille Mathieu prestou homenagem a “um monumento de França”, tal como o presidente Emmanuel Macron, que escolheu as mesmas palavras para homenagear um “rosto inesquecível” que “fez o mundo sonhar”.
À frente da propriedade de Delon em Douchy, fãs desfilaram para se despedirem da sua estrela.
“Nas nossas mentes, acreditamos que estes ícones são eternos. É muito triste”, confidenciou à AFP Marie Arnold, moradora da região, que veio deixar flores com a sua irmã Michèle. Ela confessou que chorava por “uma parte da [sua] juventude que se vai”.
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