As sirenes antiaéreas não demoveram as pessoas que em Kiev assistiram a “Fogo-Fátuo”, a mais recente longa-metragem de João Pedro Rodrigues, apresentada há uma semana na Ucrânia, um país ainda a ferro e fogo com a comunidade LGBTQIA+.
“Foi uma coisa incrível, a cinco minutos de acabar a apresentação do filme houve um aviso de ataque aéreo, começaram a soar as sirenes. Nós pensámos: 'Merda, vão interromper o filme!' Mas como estava quase no final ninguém interrompeu, ninguém saiu. E as pessoas continuavam a rir, houve aplausos”, contou o realizador português, em entrevista à Lusa por ocasião da cerimónia de entrega do Lux Prémio do Público, para o qual estava nomeado.
A entrega do prémio realizou-se na terça-feira no Parlamento Europeu, em Bruxelas, e “Close”, do belga Lukas Dhont, acabou por vencê-lo.
“Fogo-Fátuo” é a mais recente obra de João Pedro Rodrigues, debruçada, entre outras, sobre a temática da comunidade LGBTQIA+.
Por essa razão foi convidado a apresentá-la no Sunny Bunny, o primeiro festival de cinema LGBTQIA+ na Ucrânia.
Não houve a sessão de questões prevista para o final da exibição do filme, mesmo depois de as sirenes antiaéreas terem dado lugar ao silêncio da noite por causa do recolher obrigatório imposto para todo o país.
O país está há mais de um ano a braços com uma invasão da Rússia, que devastou regiões inteiras, mas para a comunidade LGBTQIA+ também há uma guerra contra o preconceito.
“Havia imensa segurança, a organização recebeu imensas ameaças nas redes sociais, três pessoas acabaram detidas na abertura do festival, na quinta-feira passada [22 de junho]. Deixaram um autocolante onde era possível ler 'A homofobia é normal'”, comentou o realizador.
João Pedro Rodrigues acrescentou que houve outros realizadores convidados “que não foram porque tiveram medo”.
Ainda assim, o autor de “Fogo-Fátuo” fez a viagem até à capital ucraniana e disse estar satisfeito pela maneira como o filme foi recebido pela “quase meia sala” que assistiu à sua apresentação: “Achámos que era importante estar no lugar onde devemos estar.”
O realizador acredita que houve pessoas que optaram por não participar no festival “precisamente por causa das ameaças, circulavam por todas as redes sociais”.
“É uma experiência que nunca irei esquecer, de achar que um filme ia ser interrompido no final, que não foi, com as pessoas a quererem ficar a ver o filme até ao fim e um aviso de ataque aéreo, o que é uma situação completamente dramática”, completou.
João Pedro Rodrigues defendeu que a nomeação para a edição deste ano do Lux Prémio do Público tem um propósito semelhante ao da apresentação na Ucrânia: levar o filme a países que não o exibiriam por causa do preconceito.
“Uma das coias boas dos prémios Lux é que o filme é legendado em todas as línguas dos países da União Europeia e é mostrado em todos os países, alguns onde não seria mostrado, por exemplo, na Hungria o filme de certeza que não seria”, explicou João Pedro Rodrigues.
Para o autor a “coisa mais importante destes prémios é ser mostrado”.
“Eu faço os filmes para os mostrar, não os faço para mim, mas às vezes é difícil perceber como é que se ultrapassa certas barreiras”, sustentou.
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