De 4 a 11 de outubro, Espinho (e arredores) assumirão o cinema como o signo na 17.ª edição do FEST: Festival de Novos Realizadores, Novos Cinemas, apresentando uma seleção eclética não apenas do melhor que atualmente se produz, mas de nomes que possivelmente poderão vingar num futuro próximo (quem sabe).
Mais uma vez, o SAPO Mag conversa com Fernando Vasquez, diretor e programador do festival sobre que esta mostra nos reserva. Cinema haverá com fartura, assim nos garante. Bem-vindos ao FEST!
Com uma pandemia, que condicionou a produção e atrasou a oportunidade de vários “novatos” se vingarem no cinema, como considera a seleção deste ano? As proezas?
A nível de filmes, este é o programa mais eclético que alguma vez tivemos. A todos os níveis é também a seleção mais completa de sempre. Temos mais filmes, mais sessões, e até temos uma secção nova, a Ecos, que pretende apresentar novos discursos cinematográficos e obras de autores que já não se enquadram nas limitações habituais do nosso evento. A competição de longas é o maior destaque. Vamos apresentar um programa de luxo, verdadeiramente equilibrado, e que apresenta à nossa audiência um futuro promissor para o cinema de uma forma geral. Diria que uma das grandes proezas a nível de filmes é que é um programa positivo, repleto de cinema com uma visão menos negra do que o habitual. É um positivismo raro no circuito de festivais. Para quem anda nestas andanças, será algo de tão invulgar que se torna inovador. Esta nova geração de cineastas tem muitas lamentações e críticas a fazer acerca da nossa contemporaneidade, mas tem também as miras viradas para um futuro melhor. Ficamos muito contentes que o nosso programa reflita isso.
É certo que o FEST conseguiu uma reunião de obras selecionadas em grandes festivais na sua Competição Internacional. Essas mesmas mostras continuam como indicadores da qualidade das obras ou um facilitismo no próprio da seleção?
É perfeitamente natural que um festival de grande impacto reúna algumas das melhores obras do ano. Os festivais de classe A são prioritários para as grandes 'sales' e distribuidoras, porque lhes oferecem mais projeção. Como tal, os melhores trabalhos dos seus catálogos aparecem primeiro nesses certames. Também é natural que as audiências tenham ainda mais interesse num filme que teve uma estreia com esse perfil. É lógico que outros festivais os selecionem também. Todos os filmes seguem o seu próprio caminho e esse percurso não deve ser julgado negativamente porque estreou em determinado evento. Nós no FEST tentamos não ser 'infetados' pelo 'vírus' da estreia mundial. Não vivemos, nem queremos viver nesse espetro, até porque nos parece desenquadrado com as necessidades da audiência. O que sempre quisemos ser é uma janela para o futuro do cinema, e como tal, queremos os melhores filmes dos melhores novos cineastas. [...] De resto, se não sentirmos uma paixão significativa por um filme ele não entra na nossa programação. No fundo, esse é o elemento essencial. Por isso é que temos filmes estreados em Cannes em Julho, como o “Lamb”, um exemplo entre outros, e que tiveram estreias mais discretas, como é o caso do “Last Knights of the Right Side”, lançado em Gdynia. O facto de este ano termos ainda mais obras estreadas em grandes eventos é apenas sinal de que as maiores 'sales agencies' cada vez mais acreditam no nosso trabalho e potencial. Para nós, isso é só positivo e quem mais ganha com isso é a nossa audiência.
Acredita que os festivais, incluindo o FEST, têm um papel importante na definição de novos autores e de revisões canónicas?
Não o descreveria dessa maneira. Acho que nós, ou qualquer outro evento, ao selecionar um filme, está automaticamente a oferecer-lhe credibilidade e valor. Mais ainda quando é escolhido dentro de um universo de cerca de 4500 filmes, que foi aproximadamente o número de obras analisadas neste ciclo. Nesse processo acabamos a destacar determinados autores e a elevar os seus trabalhos a um nível de maior predominância. Existem, claro, muitos outros que podiam também ser selecionados e que mereciam esse destaque, mas infelizmente o número de obras selecionadas tem de ser limitado a um total razoável e adequado. [...] Acredito que um dos papéis dos festivais, tal como o de outros agentes e instituições do setor, é criar novos 'mitos' e 'estrelas'. A magia do cinema sempre viveu disso, negá-lo e remar contra essa maré é uma receita para o fracasso. O importante é garantir que esses novos 'mitos' e 'estrelas' tenham mérito para chegar a esse patamar, e estamos seguros que todos os autores selecionados este ano têm potencial para serem isso mesmo. [...]
Ao contrário do ano anterior, Lisboa ficará impedida de assistir à Competição Internacional. Existe alguma razão para isso?
Nem Lisboa nem o resto do país ficarão impedidos de conhecer uma parte significativa da nossa competição, já que é muito fácil vir a Espinho e vários filmes estarão disponíveis online na Filmin na semana a seguir ao evento. Dito isso, o ano passado foi uma exceção. As limitações do momento exigiram uma reformulação temporária do evento. Nós não queremos um evento onde só se exiba filmes. A interação com os autores e com a eclética e internacional audiência tradicional do FEST, são para nós pontos essenciais. Essa é a verdadeira experiência FEST, e só pode ser vivida em Espinho. [...] Mas claro está, havendo ainda algumas limitações e necessidade de cuidados especiais, e sabendo que a audiência ainda não está numa posição de ter a mesma liberdade que teve em 2019, insistimos em fazer algumas sessões não competitivas fora de Espinho e Filmin. Por isso é com enorme prazer que regressamos ao Cinema Trindade no Porto e que vamos pela primeira vez à Culturgest em Lisboa. Estamos muito gratos a estas duas instituições que nos estão a ajudar a levar o “nossos” cinema a voos mais altos. Colaborações destas são vitais. Se os agentes do setor não abrem as portas uns aos outros, especialmente num país tão limitado como o nosso, estamos todos condenados a um final muito infeliz.
Quanto ao foco na cineasta Isabel Coixet, que qualidades ou urgências encontra na sua obra para lhe dedicar uma retrospetiva?
Na realidade, várias. A Isabel Coixet é uma figura incontornável da cena europeia. Como realizadora, tem um conjunto de obras de grande relevo, incluindo alguns filmes que nós apreciamos muito, como são os casos de “Elegia”, “Ayer No Termina Nunca” ou “Elisa y Marcela”, entre outros. O seu cinema lida muito com as posturas e batalhas entre os sexos, e conhecemos poucas autoras tão corajosas e justas como ela a lidar com essa temática. A Isabel Coixet é também fundadora e Presidente Honorária da European Women Audiovisual Network, uma instituição que tem vindo a desempenhar um papel central na discussão sobre a paridade de género no nosso setor. Assumiu essa posição porque tem ideias muito vincadas sobre o assunto, e o papel da mulher na sociedade ocidental de uma forma geral, e claro que isso se traduz no seu cinema, de forma óbvia e indireta também. Tendo em conta o momento, ela é uma voz que acreditamos que merece o maior dos destaques e que está na hora da sua obra se tornar ainda mais conhecida em Portugal, porque para além do seu inquestionável mérito artístico, tem potencial para facilitar o debate acerca da igualdade de género no nosso contexto. Por último, existe também o facto de ela ser uma figura de enorme relevo no contexto catalão, e a Catalunha é a região em foco nesta edição do FEST, isto num momento em que é tão vital falar-se na Catalunha e na sua cultura. Há muito que queríamos fazer esta retrospetiva, mas agora, claramente, conjugaram-se os fatores ideias para finalmente a realizar. Melhor ainda, a Isabel Coixet estará presente em Lisboa e Porto, e claro, Espinho, onde para além de apresentar a sua obra, vai dar uma Masterclass.
Perante a ascensão e expansão do streaming e da presença virtual,gostaria que me falasse sobre a parceria com a Filmin e que implicações ou vantagens poderá trazer um FEST online?
Para já é ainda difícil perceber a dimensão a longo prazo, porque o contexto em que esta parceria nasce está inevitavelmente ligado ao momento pandémico. Penso que numa primeira fase este é o reconhecimento do trabalho que ambas as instituições têm vindo a fazer. Apesar de privilegiarmos a experiência do cinema em sala, não somos de todo um evento que possa ser descrito como tradicional, muito menos uma organização fechada a novas formas e tecnologias, somos exatamente o contrário. Temos a perfeita noção que o cinema pode e deve viver nos mais variados formatos. Por isso, abraçamos este caminho com a maior das naturalidades. Queremos também associar-nos a organizações cujo trabalho é de inegável valor. Não conheço em Portugal outra organização, fora do mundo dos festivais e alguns exibidores alternativos, que desempenhe um papel tão fulcral como a Filmin. Como cinéfilo, o aparecimento em cena da Filmin foi um autêntico sonho tornado realidade. Finalmente em Portugal passamos a poder aceder, legalmente, às obras mais vitais do cinema mundial. Por isso esta parceria foi a mais natural possível. [...]
Quanto ao futuro do FEST? Planos? O que mais precisa de ser melhorado ou incluído?
No futuro imediato é regressar à normalidade total em 2022. Essa é a vontade maior e essa é a nossa aposta: regressar em junho de 2022, no formato e altura do ano em que o evento foi concebido. Temos já feitos vários contactos nesse sentido e muitos pedidos e propostas para 2022. A pandemia chegou numa fase de franca expansão e crescimento, por isso o desafio é garantir que este período intermédio não afetou esse crescimento. Mais do que inovar o evento, o importante é certificar que tudo volta ao normal de 2019. Dito isto, este período intermédio obrigou-nos a alterações, algumas das quais foram extremamente positivas. Há sempre espaço para melhorar e aproveitar as experiências feitas em 2020 e 2021, como foi, por exemplo, a experiência do Drive In no ano passado. Ainda hoje recebemos pedidos para a repetir e faz todo o sentido que volte a acontecer. Para já, vamo-nos focar nesta edição. E, logo em seguida, vamos atacar o futuro.
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