“Ryuichi Sakamoto: Coda”, estreado no último Festival de Veneza, arrisca a ser um dos mais belos filmes do IndieLisboa. Já em vertentes locais, Paulo Carneiro, na Competição Portuguesa, vai atrás das origens familiares e do “ser português” em “Bostofrio, ou Le Ciel Rejoint la Terre “, e “Hip to da Hop” dá conta da cultura de rua ligada ao hip hop nos seus mais diversos quadrantes em Portugal. Num sábado repleto de filmes também há o experimental “O Termómetro de Galileu”, onde Teresa Villaverde trabalha as memórias da sua convivência com o cineasta italiano Tonino de Bernardi.
Os tempos de Tarkovsky
Há documentários que conjugam com montagem frenética o objetivo do inventário, outros que optam pela longa duração por dificuldade de selecionar o que manter. O que impressiona em "Ryuichi Sakamoto: Coda" é o facto da gestão de informações ter sido organizada de uma forma que permite a aflorar de uma poesia muito particular enquanto nada praticamente falta de uma carreira de quatro décadas. O filme prolonga-se pelos diversos tempos de vida e obra da música, ator e ativista japonês – interligando de forma qualquer invisível os pedaços que compõe uma visão genérica do artista.
O filme começa com Sakamoto e um cadáver – mais precisamente o do piano que encontra nas ruínas do desastre de Fukushima. A tragédia sensibiliza-o: toca o piano, circula pela terra devastada, vai a manifestações. A homenagem às vítimas com um momento musical icónico (a execução de “Forbidden Colours” acompanhado de violina e violoncelo) faz a primeira ponte com o seu passado – neste caso a música para “Feliz Natal, Mr. Lawrence”, clássico de Nagisa Oshima (1983) que possibilitou a oportunidade para um dos seus momentos mais famosos.
O passado brilhante é inevitável: pioneiro da música eletrónica e do uso da tecnologia com o Yellow Magic Orchestra ("o que me interessa não é destruir a tecnologia, voltar atrás, mas encontrar as suas falhas e ruídos", dizia na altura), o facto do seu trabalho mais conhecido do grande público (a estupenda banda sonora de "O Último Imperador") sair de processos criativos exaustivos e pedidos repentinos de Jeremy Thomas ou comentários desapiedados de Bernardo Bertolucci, os esforços extremos para contornar os problemas de saúde porque "não podia recusar um pedido de Alejandro Inharritu" (viria a ser a música de "The Revenant") e assim por diante.
No presente do filme, Sakamoto está a lutar contra um cancro. Poucas cenas, tudo dito: dificuldade em comer, alimentos "saudáveis" cujo um mero olhar demonstra o quanto eles lhe parecem "saborosos". Quando está melhor, o presente traz-lhe as alegrias do processo criativo: o ballet sem gravidade de "Solaris" (e o seu coral de Bach na banda sonora), o livro de fotografias extraídas dos seus filmes ("Instant Light"), a orquestra de sons da natureza de alguns dos seus filmes: Tarkovsky é agora a sua fonte de ligação com a criação.
Entre o passeio no tempo, longínquo, recente e presente, reside a graça de um filme que diz muito sem dizer tudo (até porque o "tudo" não existe) e onde vida e obra fazem uma comunhão solene para significar a fé de um homem na sua arte.
Ser português: a "terrinha"
O realizador Paulo Carneiro, assistente de João Viana que se estreia na realização de longas-metragens com “Bostofrio, ou Le Ciel Rejoint la Terre”, decidiu ir à terra à procura de um avô desconhecido. Voltou com um retrato de uma pequena aldeia de Trás-os-Montes onde as rotinas do trabalho agrícola (uma das obsessões dos documentaristas portugueses) do presente fundem-se com as memórias de um passado onde era normal haver filhos de pais “incógnitos” e a esquizofrenia era tratada como possessão demoníaca.
Ser português: o centro urbano
Se Paulo Carneiro preocupa-se com o "ser português" no seu filme, Fábio Silva e António Freitas investem num modo de apropriação lusitana de uma cultura vinda de fora – e, por natureza, tipicamente urbana.
"Hip to da Hop" investe numa viagem pelo país à procura dos registos das mais diversas manifestações culturais ligados ao hip hop, como o grafitti, o "rap" e o "breakdance". Agregaram a isso um caráter muito didático ao mostrar o método de trabalho dos artistas retratados e propondo, junto às questões lançados aos diversos entrevistados, um debate sobre o significado destas manifestações e a sua evolução em Portugal ao longo dos anos...
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