Em entrevista à agência Lusa, a propósito da estreia portuguesa de “Via Norte”, Paulo Carneiro sublinhou a vontade de fazer um cinema em que “o que importa são as pessoas” e as histórias que têm de ser contadas, mesmo que, à partida, os projetos estejam subfinanciados.
“Quero fazer filmes em que as pessoas que participam neles gostem de os ver. Não quero estar naquele ‘sobranceirismo’ de fazer um cinema muito particular, muito longe daquelas pessoas. Para mim é uma causa-efeito, não me faz sentido [de outra maneira]”, disse.
Já exibido em festivais, “Via Norte” é a segunda longa-metragem de Paulo Carneiro, depois da estreia com “Bostofrio, où le ciel rejoint la terre”, rodado em Trás-os-Montes em busca de respostas para uma história de família.
Tal como “Bostofrio”, “Via Norte” também é um filme de “super-baixo orçamento”, mas o realizador diz que não faz disso “um porta-estandarte. Os filmes são o que são, não é uma fraqueza, é uma força do filme”.
“Na altura não consegui financiamento em Portugal e arranjei maneira de estudar, com bolsa, seis meses na Suíça, para conseguir fazer o filme. Foi uma estratégia de produção. O filme foi pensado de início para ser rodado em França, mas as questões de produção levaram-me à Suíça”, disse.
Foi lá que filmou retratos de emigração portuguesa, tendo como referência um imaginário de infância, da aldeia do pai, em Trás-os-Montes, e um certo fascínio com a ideia de que o sucesso dos emigrantes portugueses era legitimado pelo tipo de carros que possuíam.
“Eu ficava muito fascinado com os carros que os emigrantes traziam a Portugal [nas férias de verão] e já se falava de mitos que algumas pessoas alugavam carros para voltar a Portugal e para mostrar que tinham sucesso”, explicou.
Em “Via Norte”, com planos em garagens, estacionamentos, bombas de combustível, quase sempre à noite e tendo sempre presente automóveis, Paulo Carneiro ouve emigrantes a falarem de saudades de Portugal, de dinheiro, de preconceito, da família, quem já não quer regressar ao país de origem e quem dedica tudo ao trabalho.
“Tenho a certeza de que não é um filme que fala de carros. É um filme que fala de todas as outras questões inerentes à emigração e que estão na ordem do dia. [...] É um objeto de desejo, ao mesmo tempo é um objeto que representa o sucesso”, disse.
Para Paulo Carneiro, o carro "serve também como forma de integração, porque existem grupos que têm carros, alguns modificados outros não, e que se juntam e é uma forma de conviverem". "Em Portugal as pessoas encontram-se para ver futebol, ali o carro serve para estes encontros", disse.
“Via Norte” foi rodado entre 2019 e 2020, teve estreia mundial em 2022 na Suíça e chega agora às salas portuguesas, enquanto Paulo Carneiro finaliza dois projetos.
“A Savana e a Montanha”, que apelidou de “western social”, foi rodado em Covas do Barroso, no município de Boticas, e acompanha a luta das pessoas contra a possibilidade de exploração das minas de lítio. Duas vezes rejeitado nos apoios do Instituto do Cinema e Audiovisual, o projeto avançou com financiamento próprio de Paulo Carneiro, até conseguir verbas e apoio à produção do Uruguai.
“Nha Terra Nha Força”, que está em rodagem e montagem em simultâneo, com coprodução com a Suíça e o Uruguai, “é sobre um grupo de jovens que vive numa aldeia no sopé da ilha do Fogo [Cabo Verde] e que resistiu à erupção. […] É um filme que contraria a ideia de que toda a gente em África quer vir para a Europa”, disse.
Produtor e realizador, Paulo Carneiro considera que fazer cinema “é uma luta, um trabalho de todos os dias”: “É muito difícil, é um trabalho constante, nunca se pode pensar que já está garantido”.
Paulo Carneiro nasceu em 1990 em Lisboa, cresceu e vive na Pontinha, nas franjas suburbanas da capital, onde rodou a última cena de “Via Norte”, no carro dele, dentro de um antigo mercado já desmantelado e que tinha plasmadas referências à revolução de 25 de Abril de 1974.
Com essa cena final filmada na Pontinha - onde foi também fotografado pela agência Lusa -, o realizador faz a ponte entre os subúrbios da Suíça e Portugal, entre quem vive e trabalha nas margens de lá e de cá.
“Os meus pais são pessoas que vêm de famílias humildes, têm só o ensino primário e sempre me foi incutida esta ideia de trabalhar. Nunca romantizei. Também não sabia até onde podia chegar. Hoje em dia acho que já estou em algum lado, não sei onde, mas isso vem de uma forma constante e de uma resiliência muito grande”, afirmou.
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