(*) Notícia atualizada às 19h20 com as declarações de José Manuel Costa, diretor da Cinemateca Portuguesa.
O realizador António-Pedro Vasconcelos lamentou hoje a morte do produtor António da Cunha Telles, "o homem mais importante do cinema português", e criticou o tempo em que ele esteve sem apoios para filmar.
"Foi o homem mais importante do cinema português, porque não foi apenas como produtor, como distribuidor, diretor do ICA [Instituto do Cinema e Audiovisual], diretor da Tobis; foi um inovador, pensou sempre antes dos outros, fez coproduções com França, formou os técnicos portugueses", enumerou António-Pedro Vasconcelos em declarações à agência Lusa.
António da Cunha Telles, um dos nomes indissociáveis do Cinema Novo português nos anos de 1960, morreu na quarta-feira aos 87 anos, em Lisboa.
António-Pedro Vasconcelos, 83 anos, recordou que conheceu António da Cunha Telles naquela década essencial de renovação do cinema português, com realizadores como Paulo Rocha, Fernando Lopes e António de Macedo, e que o produtor o amparou sempre ao longo da carreira.
"Está ligado àqueles [filmes] que tiveram mais dificuldades. Ele foi sempre sensacional. (…) Ele veio sempre, de maneiras diferentes, salvar vários filmes meus e foi absolutamente decisivo", disse António-Pedro Vasconcelos, citando, por exemplo, "Perdido por Cem" (1973), "Oxalá" (1980) e "O Lugar do Morto" (1984).
A morte de António da Cunha Telles representa o fim de um capítulo da história do cinema português e António-Pedro Vasconcelos lamenta que o último filme já só vá estrear-se a título póstumo.
Segundo a filha, Pandora da Cunha Telles, António da Cunha Telles tinha praticamente finalizado o filme "Cherchez la femme", a partir de uma obra de Mário de Sá-Carneiro.
O filme contou com apoio financeiro do ICA, mas António-Pedro Vasconcelos diz que Cunha Telles "só conseguiu filmar depois de ter sido chumbado duas vezes" nos concursos daquele instituto.
"Esteve durante à volta de 13 anos a ser chumbado nos júris do ICA. Houve cativações e ele teve de parar o filme. Conseguiu montar o filme e ele vai se estrear já com ele morto. A maneira como o Estado trata o cinema português e trata alguns realizadores portugueses é inaceitável", disse.
Já o primeiro-ministro, António Costa, considerou que é difícil imaginar o Cinema Novo português sem o impulso decisivo dado pelo produtor, salientando que dedicou a sua vida a esta arte.
“António Cunha Telles adiou o desejo de criar os seus próprios filmes para produzir os dos seus contemporâneos. É difícil imaginar o Cinema Novo português sem o seu impulso decisivo. Até ao fim, a sua vida foi dedicada ao cinema. Sentidas condolências à sua família e amigos”, escreveu o primeiro-ministro na sua conta na rede social Twitter.
O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, afirmou que "o cinema português moderno não existiria" sem os filmes por ele produzidos e realizados.
Numa mensagem publicada no Twitter, Pedro Adão e Silva escreve que António da Cunha Telles prosseguiu por quase cinco décadas uma carreira de produtor e realizador que nunca esteve confinada às fronteiras nacionais, e que ascende a mais de duas centenas de títulos".
"O 'Cinema Novo', de que foi um dos artífices, rompeu o isolamento português e integrou-nos nas grandes correntes que naquela década revolucionaram o cinema um pouco por todo o mundo", escreve Pedro Adão e Silva.
O diretor da Cinemateca Portuguesa, José Manuel Costa, afirmou o produtor e realizador fica na história do cinema português, porque "fez tudo, foi persistente".
"Desde toda a segunda metade do século XX, e ainda agora, marcou o cinema em Portugal sem parar e porque tocou as teclas todas. Ninguém como ele fez tanta coisa em tantas áreas", afirmou à agência Lusa.
José Manuel Costa considera que "Portugal não é um país de grandes produtores - e é normal que não seja, porque é um país que praticamente não teve uma verdadeira indústria de cinema", mas há três nomes que sobressaem.
"Há uma primeira geração que é marcada por Lopes Ribeiro [1908-1995] na produção, e depois quando tudo muda com o 'Cinema Novo' português é o António Cunha Telles e depois deixa o testemunho ao Paulo Branco. Ele destacou-se completamente", sublinhou o diretor da Cinemateca.
José Manuel Costa recorda "o trabalho incrível de distribuidor e exibidor, devastadoramente importante" nos anos 1970, abrindo, por exemplo, a sala Apolo 70 em Lisboa, com Lauro António, e conseguindo mostrar em Portugal os filmes de Sergei Eisenstein.
Cunha Telles comprou os direitos de exibição de "O Couraçado Potemkine" (1925), proibido no Estado Novo, e guardou uma cópia do filme "à espera do dia em que acabasse a censura e que pudesse ser exibido. Ninguém tinha a mínima ideia e garantia de quando é que isso podia acontecer", recordou o diretor da Cinemateca. O filme estreou-se a 2 de maio de 1974, uma semana depois da 'Revolução dos Cravos', um dia após as grandes manifestações do primeiro 1.º de Maio em liberdade.
Também a Academia Portuguesa de Cinema reagiu à morte na rede social Facebook, recordando que era membro honorário desde 2012.
"Pai, produtor, mentor e amigo de muitos dos cineastas que a partir dos anos 1960 se lançaram na aventura da realização cinematográfica, mas também precursor de meios técnicos de produção, distribuidor, exibidor cinematográfico e sempre também realizador", lembrou a Academia Portuguesa de Cinema.
O funeral de António da Cunha Telles realiza-se no sábado para o cemitério da Ajuda, em Lisboa.
De acordo com a família, o velório está marcado para sexta-feira, a partir das 17h00, na Basílica da Estrela, em Lisboa, e o funeral decorrerá no sábado, às 14h00, para o cemitério da Ajuda, também na capital.
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