A tragédia aérea dos Andes que envolve a equipa de rugby uruguaia, em 1972, "foi deformada" ao longo das décadas até se tornar "uma falácia" que precisou ser novamente contada, defende o realizador de "A Sociedade da Neve", o espanhol Juan Antonio Bayona.

Gravada parcialmente no majestoso Valle de las Lágrimas nas cordilheiras dos Andes, "A Sociedade da Neve" é um filme protagonizado por jovens do Uruguai e da Argentina, explicou Bayona em Paris, durante a divulgação do filme.

O filme de 2h30, que demorou 10 anos a produzir e estrear, chegará em dezembro às salas de cinema e a 4 de janeiro à plataforma Netflix.

"Para mim, não ter rostos conhecidos ajuda à experiência dê realismo ao filme", conta.

"La Sociedad de la Nieve"

Após 72 dias presos na neve, 16 jovens de uma equipa de rugby que estavam no acidente foram resgatados - um "milagre" que comoveu a opinião pública mundial.

Os restantes 45 passageiros e tripulantes morreram, uma tragédia que tomou rumos angustiantes quando, para se manterem vivos, os sobreviventes se viram obrigados a comer os restos mortais dos falecidos.

"Foi uma das condições que sugerimos: como contar uma história onde ninguém tem protagonismo sobre os outros. Porque, ao longo dos anos, [a história] foi deformando-se e tornando-se (...) um molde onde os heróis são os que, no final, chegam em casa porque se portaram de maneira extraordinária. E, na verdade, tudo isso é uma falácia", explica Bayona.

O realizador Juan Antonio Bayona (segundo à esquerda), com os atores Enzo Vogrincic, Agustin Pardella e Matias Recalt a 9 de setembro em Veneza

O filme é baseado no livro "A Sociedade da Neve", de Pablo Vierci, que esteve envolvido na produção e colaborou diretamente com o realizador espanhol, que não só pisou o Valle de las Lágrimas para conhecer o local do acidente, mas ele e os atores fizeram horas de reuniões com os sobreviventes.

Ao terminar o processo, Bayona diz que muitos deles se sentiram aliviados ao ver a obra.

"Notava que ainda precisavam de alguém que viesse e contasse finalmente a história da maneira correta", especificou.

Heroísmo de todos

Rodagem de "A Sociedade da Neve"

A mais de 3.600 metros de altura, o heroísmo presente não era convencional, mas coletivo: desde aqueles que foram buscar ajuda a pé, até aos que deram autorização aos companheiros para cortarem os pedaços dos mortos para se alimentarem.

Enquanto lutava para conseguir o financiamento para "A Sociedade da Neve", durante dez anos, Bayona afirma que pensou muito em como fazer justiça a todos os protagonistas.

"Lembrei-me das conversas que os sobreviventes tinham com os mortos no livro. E foi aí que pensei: por que não estendemos esse diálogo para o filme e contamos a partir de um lugar que seja a ponte entre os vivos e os mortos?", conta.

O realizador consegue atingir esse feito graças ao papel fundamental que o ator uruguaio Enzo Vogrincic assume ao narrar a aventura.

A tragédia do avião da Força Aérea do Uruguai foi abordada em 1976 no filme "A Epopeia dos Andes", de René Cardona, e em "Estamos Vivos", em 1993, com a participação de Ethan Hawke e Josh Hamilton.

A primeira obra cinematográfica em 16 anos rodada em castelhano por Bayona (não acontecia desde "O Orfanato") foi apresentada recentemente no encerramento do Festival de Veneza e é o candidato espanhol a uma nomeação para Melhor Filme Estrangeiro nos Óscares.

O realizador ganhou fama em Hollywood com títulos como "O Impossível" (2012) e "Mundo Jurássico: Reino Caído" (2018).

"Acho fantástico que um filme rodado por um espanhol, com um uruguaio, argentinos e filmado no Chile, ou no Uruguai, nos represente", explica.

"Porque este é um projeto que não deveria existir: o mercado não permite a existência de um filme em espanhol deste porte", acredita.

TRAILER LEGENDADO.