“O pai acaba de morrer e com ele desaparece o frágil equilíbrio que parecia existir entre os vários membros da família: a viúva, Elise, e os dois filhos, Fredrik e Gerda. As mentiras, dissimuladas durante anos, irrompem de todos os lados e espalham-se como sombras incontroláveis, engolindo todas as personagens”, pode ler-se na sinopse disponível no ‘site’ do teatro sobre a peça com a qual Strindberg inaugurou o seu Teatro Íntimo, em Estocolmo, em 1907.

No manual de leitura da peça, Nuno Cardoso descreve o ano de 2024 como um “carrossel”, passando pelos 50 anos do 25 de Abril com “Fado Alexandrino”, de Lobo Antunes, pela itinerância de “As Bruxas de Salem”, de Arthur Miller, e pelo monólogo “Homens Hediondos”, de David Foster Wallace, chegando agora a Strindberg.

“’O Pelicano’: uma parábola sobre a família, escrita por um espírito que não vê nela senão peso, dívidas, frustrações e sofrimento. A família cárcere de todas as nossas imperfeições. A família espelho onde os defeitos se confessam. A família jaula onde os corpos chocam e se afiam mais. A família canibal de sorrisos de faca e garfo. A família felicidade da avarícia”, escreveu o encenador.

A peça tem tradução de João Paulo Esteves da Silva, cenografia de F. Ribeiro, desenho de luz de Cárin Geada e música de Alexandre Soares. A interpretar estão Joana Carvalho, Lisa Reis, Patrícia Queirós, Paulo Freixinho e Pedro Frias.

“O espetáculo que estou a levantar é muito diferente do que se tem feito com ‘O Pelicano’. Estou a fazer uma espécie de filme de terror. É uma peça que me perturba como cidadão e um desafio enquanto artista. Convido o espectador a fazer a sua própria análise”, disse Nuno Cardoso numa conversa com a encenadora Adry Neves, o poeta João Luís Barreto Guimarães e a professora Paula Oliveira Cruz publicada no manual de leitura.

Na mesma conversa, o encenador elenca o ponto de partida de “O Pelicano”: “Temos uma família: dois filhos, um pai e uma mãe. Diz-se a certa altura que os pais estão em Paris num restaurante a comer ostras, enquanto os filhos são seviciados em casa. Há uma conjuntura de silêncio a cobrir um mapa de convivência social. De repente, acontece qualquer coisa e cria-se um ciclo de agitação. É como se um ralo se abrisse, e a água sumisse, revelando um conjunto de coisas. E há uma progressão. A partir da morte do pai começa a ação”.

Numa peça com um dos finais “mais fora” que Nuno Cardoso já leu na vida, “O Pelicano” é uma “peça torta, manca e corcunda, que não oferece respostas, mas que dá um nó na cabeça” que será “uma boa história para incitar à reflexão”.