
O Ministério Público de Bordéus anunciou na quinta-feira a reabertura de uma investigação "sobre possíveis atos de violência intencional" cometidos pelo cantor Bertrand Cantat antes da morte da ex-esposa Krisztina Rady, encontrada enforcada na sua casa a 10 de janeiro de 2010.
Esta decisão ocorre após o lançamento de um documentário da Netflix sobre a estrela de rock e vocalista da banda Noir Désir, condenado pelo assassinato da atriz e companheira Marie Trintignant em 2003, afirmou o procurador público Renaud Gaudeul em comunicado, confirmando uma reportagem da rádio RTL.
Intitulado "De Rockstar a Assassino", lançado em três partes na primavera, o documentário contém "várias declarações e testemunhos não incluídos" nos quatro processos já abertos sobre as circunstâncias da morte da Krisztina Rady, todos entretanto encerrados, acrescentou o magistrado.
Além do processo que investiga as causas da morte aberto após a sua morte no domicílio conjugal em Bordéus, "outros três procedimentos subsequentes" foram abertos em 2013, 2014 e depois em 2018, lembra.
Visita às urgências

Os dois últimos foram abertos após denúncias de Yael Mellul, a presidente da associação Femme et Libre e ex-advogada do último parceiro de Krisztina Rady.
Contactada pela agência France Presse, disse estar "muito aliviada" com a "mudança radical de posição do Ministério Público de Bordéus" sobre o que descreve como "um caso de suicídio forçado".
Segundo ela, o depoimento anónimo de uma enfermeira no documentário da Netflix é um "novo elemento" que "corrobora o facto de Krisztina Rady ter sido vítima de violência doméstica".
Em "De Rockstar a Assassino", essa enfermeira afirma Krisztina Rady foi levada às urgências "após uma discussão com o seu parceiro, uma discussão violenta" com "descolamento do couro cabeludo e hematomas", ocorrido "depois de Vilnius, quando Bertrand Cantat voltou a morar na casa da família" [a referência à capital da Lituânia está relacionada com a condenação pela morte de Marie Trintignant].
Isso "provavelmente significa que Krisztina Rady foi agarrada ou arrastada violentamente pelos cabelos", acrescentou a enfermeira, que havia consultado "por curiosidade" o seu dossier nos arquivos de um hospital na região de Bordéus, onde trabalhara temporariamente.

Em 2013, dois jornalistas, Stéphane Bouchet e Frédéric Vézard, mencionaram num livro de investigação, "Bertrand Cantat, Marie Trintignant: L'Amour À Mort" ("Bertrand Cantat, Marie Trintignant: Amor até a Morte) uma mensagem de socorro deixada por Krisztina Rady no atendedor de chamadas dos seus pais. Nela, descrevia o "inferno" que o pai dos seus filhos a estava a submeter, "esse pesadelo que Bertrand chama de amor".
Yael Mellul afirma também ter "novas provas para apresentar ao Ministério Público de Bordéus", sem especificar a sua natureza.
Controvérsias e cancelamentos
Nascida a 23 de agosto de 1968, Krisztina Rady, intérprete de formação, escritora, artista de teatro e tradutora, conheceu Bertrand Cantat em 1993, num festival em Budapeste.
Casados desde 1997, o casal teve dois filhos e nunca se divorciou, embora se tenham separado logo após o nascimento da filha, após o cantor ter conhecido a atriz Marie Trintignant, filha do decano do cinema europeu Jean-Louis Trintignant.
Condenado a oito anos de prisão na Lituânia pelo espancamento fatal de Marie Trintignant em Vilnius, em 2003, um caso com grande repercussão internacional, o cantor foi rapidamente inocentado da responsabilidade pelo suicídio de Krisztina Rady.

Ícone do rock francês, o cantor de Bordéus, colocado em liberdade condicional em 2007, retomou gradualmente a sua atividade pública a partir de 2010, com um álbum e uma digressão com a banda Détroit , seguidos pelo lançamento do seu primeiro álbum solo, "Amor Fati", em dezembro de 2017.
A promoção deste álbum gerou polémica, assim como a digressão subsequente, marcada por concertos cancelados e protestos de organizações feministas.
Num grande concerto em Zenith, no nordeste de Paris, em 2018, que contou com a presença de milhares de fãs, Cantat atacou os jornalistas dizendo: "Não tenho nada contra vocês, vocês têm algo contra mim... estou-me nas tintas".
Após ser recebido com gritos de "assassinato" em Grenoble, em março de 2018, o cantor cancelou a 11 de junho os últimos concertos agendados.
Em 2020, cancelou novamente um espetáculo escrito em parceria com romancista Caryl Férey e, no final de 2021, ativistas feministas tentaram bloquear o acesso ao Théâtre de la Colline, em Paris, onde estava a decorrer a estreia da peça "Mère" ["Mãe], criada e dirigida por Wajdi Mouawad, com música de Bertrand Cantat.
O cantor lançou um segundo álbum com os Détroit em dezembro passado.
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