
De acordo com o historiador João Madeira, a associação ainda não obteve resposta a uma carta enviada a Dalila Rodrigues há algumas semanas, depois de terem tido conhecimento de que a Museus e Monumentos de Portugal (MMP) determinou a caducidade do processo de classificação.
“Caduca por desinteresse por parte do ministério? Caduca por falta de informação da parte de alguém a quem foi solicitada? Porquê? E então, a partir de bases mais seguras, pronunciar-nos-emos”, esclareceu João Madeira, admitindo que a associação ficou surpreendida com a decisão.
No final de janeiro, a MMP revelou à agência Lusa que o processo de classificação caducou em setembro de 2021, um ano depois de aberto, porque a Direção-Geral do Património Cultural – entretanto extinta - não prolongou o prazo que permitiria continuar o trabalho, como estipula a lei.
Citando a lei de bases do património cultural, a MMP diz que “o procedimento de classificação deve ser concluído no prazo máximo de um ano, salvo se o instrutor prorrogar o prazo, o que não se verificou neste caso”.
De acordo com esta entidade pública, uma vez caducado, este processo de classificação não poderá ser reaberto e terá de ser criado novo procedimento fundamentado: “Estando em causa obras protegidas pelo direito de autor, a sua classificação dependerá sempre de autorização prévia dos titulares dos respetivos direitos”, nomeadamente a família.
Questionada esta semana sobre o assunto, a MMP referiu que “a efetivação do arquivamento do processo deverá acontecer em breve”.
Em causa está um processo, aberto em setembro de 2020 pela então Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), para classificar várias gravações de José Afonso (1929-1987) como um “conjunto de bens móveis de interesse nacional”.
O processo abrangia a classificação de 30 fonogramas, 18 cópias digitais de ‘masters’ de produção, cassetes gravadas pelo autor e gravações de entrevistas, segundo o anúncio publicado em Diário da República a 02 de setembro de 2020.
Trata-se de material “cuja proteção e valorização representam valor cultural de significado para a nação”, lê-se no anúncio, concretizando em simultâneo o objetivo de classificar, pela primeira vez, uma obra fonográfica.
A obra a classificar diz respeitos aos ‘masters’ e materiais gravados de álbuns registados e comercializados entre 1952 e 1985, como “Balada de Outono” (1960), “Cantares de Andarilho” (1968), “Cantigas do Maio” (1971) - que inclui a música "Grândola, Vila Morena" - ou “Coro dos Tribunais” (1974), que estão na posse de vários proprietários, nomeadamente a entidade que adquiriu o catálogo da falida Movieplay e a família do músico.
O antropólogo Pedro Félix, que lidera a comissão instaladora do Arquivo Nacional do Som e que deu apoio técnico no processo de classificação, explicou à Lusa, em janeiro passado, que foram feitos "todos os esforços, até mais esforços do que aqueles que seriam necessários" para conseguir terminar o processo.
"Levámos até às últimas possibilidades do ponto de vista técnico. As tentativas foram muitas e havia informação que era necessário recolher e não foi possível", disse.
Para o antropólogo, houve "um certo esvaziamento da premência do processo", porque os discos do José Afonso foram sendo reeditados e disponibilizados no mercado desde 2021, com o acordo da família, que detém os direitos de autor.
Também o historiador João Madeira, da AJA, reconhece que a situação sobre a obra fonográfica de José Afonso se alterou, depois de ter sido “praticamente toda reeditada”.
“Mas do ponto de vista simbólico, a classificação é importante para nós. Os objetivos fundamentais da associação são a divulgação e a preservação da obra de José Afonso. Considerar a obra como de interesse nacional para nós é importante, até na lógica do próprio centenário”, sublinhou João Madeira.
Um dos objetivos traçados pela atual direção da AJA é "lançar as bases programáticas para as comemorações do centenário do nascimento de José Afonso (1929-1987), em articulação com outras instituições", incluindo o Ministério da Cultura, como se lê no atual programa da associação.
No entanto, a AJA está ainda a iniciar o processo de discussão interna sobre essa efeméride, a assinalar-se em 2029, disse João Madeira.
A decisão de se classificar a obra de José Afonso surgiu depois de, em 2019, o parlamento ter aprovado um projeto de resolução do PCP, que recomendava ao Governo a classificação como de interesse nacional, com vista à sua reedição e divulgação.
Também a Associação José Afonso tinha reunido mais de 11 mil assinaturas numa petição pública que apelava à mesma decisão.
A família de José Afonso, detentora dos direitos da obra musical, tinha igualmente manifestado o apoio à classificação da obra e recordava que estava a "colaborar diretamente com o Ministério da Cultura, desde 2018", para que se desenvolvesse o processo.
Contactada pela Lusa sobre a caducidade do processo, a família de José Afonso não respondeu até ao momento.
José Afonso morreu a 23 de fevereiro de 1987, aos 57 anos, vítima de esclerose lateral amiotrófica.
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