Os talk shows noturnos dos EUA, alguns também disponíveis em Portugal, já foram programas de visionamento com hora marcada, mas com a queda nas audiências e nas receitas publicitárias, o seu cobiçado lugar no pequeno ecrã está em causa.
Os anfitriões de ontem e de hoje - comediantes de Johnny Carson e Jay Leno a Jimmy Fallon e Jon Stewart - são nomes conhecidos, e as suas piadas já foram um ponto de partida obrigatório para conversas no emprego.
Mas o canal NBC, sede do “The Tonight Show”, apresentado por Fallon, recentemente passou de cinco novos episódios por semana para quatro – um sinal de tempos não tão bons.
“A programação ao fim da noite não é tão relevante no mundo televisivo de hoje”, disse Jeffrey McCall, professor especializado em Media na Universidade DePauw, em Indiana.
Cada programa segue uma fórmula semelhante - um apresentador senta-se atrás de uma mesa e convidados famosos contam anedotas engraçadas, promovem os seus trabalhos mais recentes e até participam em jogos autodepreciativos para divertir o público.
Graças ao advento do streaming e à viralização dos vídeos na Internet, estes apresentadores – David Letterman e Stephen Colbert são outros exemplos – tornaram-se reconhecidos globalmente.
Mas o formato está estagnado: o mais popular entre eles, o “Late Show” de Colbert na CBS, teve a sua audiência reduzida em 32% nos últimos cinco anos.
E a receita publicitária está a desaparecer. Nos primeiros oito meses de 2024, caiu 10%, de acordo com a empresa de análise de Media Guideline, depois de uma queda ainda maior no ano passado.
“O fim da noite já foi um gerador de lucros fabuloso”, porque os programas eram mais baratos de produzir do que os do horário nobre e apresentavam intervalos comerciais abundantes, explicou Bill Carter, autor de vários livros sobre o assunto.
"Os lucros que os programas proporcionam diminuíram e tornaram-se inexistentes", acrescentou.
A decisão da NBC de cortar um episódio de “The Tonight Show” por semana veio depois dos canais CBS e ABC – a estação doméstica de Kimmel – fazerem a mesma coisa.
Nos últimos três anos, vários apresentadores de alto nível desistiram, incluindo Conan O'Brien (TBS) e James Corden (CBS) – levando os canais a abandonarem completamente os seus programas.
Em meados da década de 2010, a televisão noturna aproveitou o momento oferecido pelo YouTube, onde vídeos podiam ser colocados, consumidos em qualquer altura e, às vezes, tornavam-se virais.
Corden criou um sucesso mundial com a sua série "Carpool Karaoke", apresentando superestrelas a cantar com ele no seu carro.
Mas mesmo esse sucesso de gerar dinheiro online desapareceu, com o YouTube a oferecer aos anunciantes taxas muito mais baixas do que os canais tradicionais.
A ameaça do 'podcast'
Outra questão é que os programas noturnos têm uma vida útil limitada, ao contrário dos filmes ou séries com argumento, que encontraram uma segunda vida nas plataformas de streaming.
"Acho que o formato precisa ser atualizado. Tem sido basicamente o mesmo desde Steve Allen", disse Carter, referindo-se ao primeiro apresentador do "The Tonight Show" em 1954, considerado o pai do género.
Para Mitch Semel, que supervisionou a produção de vários programas noturnos, “havia muito conforto em ter um programa igual todas as noites ou todas as semanas”.
“Agora estamos numa era em que as pessoas gostam muito mais de jogar com formatos, de surpreender os espectadores, de tentar misturar géneros e estilos”, disse.
As plataformas de streaming que enfrentam orçamentos apertados tentaram entrar no campeonato noturno, com "Patriot Act", de Hasan Minhaj, na Netflix, ou "Influenced", da Amazon Prime, que tinham como alvo os espectadores mais jovens ao abordar tópicos de tendência nas redes sociais.
“Historicamente, os apresentadores noturnos precisam de espectadores que tendem a ser mais jovens”, disse McCall.
“Neste ponto, Kimmel, Fallon e Colbert têm mais de 50 anos de idade, e Colbert agora tem 60. Pareceriam bastante velhos”, notou.
Como se não bastasse a competição por espectadores de séries, filmes, redes sociais e eventos desportivos, os programas noturnos também precisam competir com 'podcasts' filmados e apresentados no YouTube e no Spotify, que, segundo Carter, “oferecem um pouco do sabor do fim da noite”.
“The Joe Rogan Experience”, o 'podcast' com mais 'downloads' do mundo, e o popular “Call Her Daddy” oferecem aos espectadores espontaneidade e o inesperado.
Essas já foram marcas registadas do fim da noite televisivo, mas agora, “até mesmo os segmentos dos convidados são preparados com muito cuidado” nos programas dos canais televisivos, de acordo com Semel.
Um 'podcast' sem restrições de tempo que pode evoluir em tempo real “traz mais diversão para os convidados e para os anfitriões e, provavelmente, por tradução, também para os ouvintes e espectadores”, diz Semel.
“Todos nós gostamos quando vemos pessoas a falar genuinamente a divertir-se, não a fazê-lo de maneira fabricada.”
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