"Mudei-me de Los Angeles para Charleston há quatro anos e quando cheguei cá reparei que há muitas igrejas por todo o lado. Isso lembrou-me que, quando era miúdo, ia muito à igreja com a minha família, estava muito envolvido na vida religiosa. E fez-me pensar em como será a Igreja agora, que mudanças terá tido", recorda Danny McBride numa mesa redonda virtual na qual o SAPO Mag participou.

"Vi que há muitas mega-igrejas, quase como se fossem palcos de celebridades, em vez de alguém que está a guiar-nos e a ajudar-nos a fazer as escolhas certas. Achei que essa era uma reviravolta irónica nessa profissão. Acabam por ser corporações capitalistas preocupadas em crescer, crescer, crescer", acrescenta o criador, argumentista, produtor executivo, protagonista e realizador de alguns episódios de "The Righteous Gemstones" ao contar o que o levou a criar a série cuja segunda temporada chegou esta segunda-feira, 10 de janeiro, à HBO Portugal - plataforma que já tinha acolhido a estreia nacional da primeira, em 2019.

Danny McBride
Danny McBride créditos: AFP

A terceira época também já está assegurada, mas por agora as atenções viram-se para os nove novos episódios que seguem o poderoso, popular e moralmente (muito) questionável clã televangelista composto por Eli Gemstone (John Goodman) e os seus três filhos: Jesse (o próprio McBride), Judy (Edi Patterson) e Kelvin (Adam DeVine). "Esta família começou bem mas tornou-se obcecada com o crescimento, em crescer mais, e mais, e mais... E isso ofuscou, de certa forma, a sua moral e os seus valores, e talvez até a razão pela qual começou", assinala McBride.

"Uma série sobre aquilo que importa"

Apostando no registo cómico ao qual é associado e que marcou as séries que criou antes, "Eastbound & Down"e "Vice Principals", igualmente na HBO, o norte-americano desviou-se para um tom mais negro e para personagens com mais falhas de carácter, embora não lhes trave a possibilidade de (alguma) redenção.

"Já fiz outras séries em que as personagens não são empáticas à primeira vista, ou que até parecem as vilãs da história. Mas para seguir esse caminho e levar o espectador atrás temos de lhe mostrar porque é que elas se tornaram assim e dar-lhe uma razão para investir emocionalmente em pessoas que parecem lixo. Fazer isto a partir da história de uma família possibilita explorar a dinâmica entre irmãos e permitir que o espectador se reconheça nela, mesmo que não se comporte de forma tão louca", assinala.

Trailer da segunda temporada de "The Righteous Gemstones":

A sua ambição, no entanto, não mudou face a projetos anteriores: "Entreter as pessoas, permitir que se desliguem do seu dia a dia e mergulhem neste mundo insano e possam rir, talvez chorar". Desta vez, procura fazê-lo com uma série "sobre aquilo que importa e como passamos um legado para a geração seguinte, como ajudamos os que nos sucedem a não cometer os nossos erros".

McBride avança que "esta temporada é em parte um mergulho no passado, de onde o Eli vem e até onde está disposto a ir". E é do passado que chega Junior, a personagem de Eric Roberts, um velho conhecido do patriarca do clã e uma das novas caras da série. Outras aquisições do elenco nesta segunda época incluem Jason Schwartzman na pele de Thaniel Block, um jornalista cuja investigação junta mais um problema ao quotidiano já de si atribulado dos Gemstones, ou Eric Andre como Lyle Lissons, um televangelista texano.

The Righteous Gemstones
The Righteous Gemstones

"Não insultamos as crenças de ninguém"

"Acho que a religião é importante, não há nada de errado no facto de as pessoas acreditarem em algo maior do que elas. Há coisas muito piores às quais nos podemos dedicar", diz McBride. "O que pretendo satirizar é a situação lixada em que alguém ganha dinheiro a explorar essa devoção de forma tão grotesca e óbvia. Esse é que é o mote para a piada da série, não aquilo em que as pessoas acreditam ou como veem o mundo. Isso seria maldoso e não acho que tivesse graça. Não é que não se possa brincar com isso, mas não me diz nada".

O criador da série realça que embora a ação se centre numa família do interior norte-americano, o apelo deste retrato é universal e intemporal. "Há uma longa tradição de pessoas que se aproveitaram da religião para obter poder, riqueza e influência. De certa forma, é uma história tão antiga como o mundo".

Our Brand Is Crisis - Press Conference - 40th Toronto Film Festival
Our Brand Is Crisis - Press Conference - 40th Toronto Film Festival créditos: Lusa

David Gordon Green, produtor executivo e realizador de alguns episódios (e que dirigiu filmes como "George Washington", "Alta Pedrada" ou os capítulos mais recentes da saga "Halloween"), conta que acredita tanto na visão de McBride como na capacidade de o público a acolher. "Não insultamos as crenças de ninguém. E parece-me importante sublinhar isso. É mais sobre a estrutura, a ganância e muitas vezes a corrupção destas instituições. A primeira temporada explorou isso enquanto tentámos encontrar um tom e perceber quando podíamos recorrer ao humor ou ser insultuosos. A segunda permite-nos ir mais longe ao acreditarmos que o público confia em nós para o levarmos para um cenário mais descontrolado", nota.

"Sei que aqui podemos contar histórias e piadas que não estão noutras séries", acrescenta, adiantando que os espectadores podem esperar uma segunda temporada "maior e mais selvagem, uma expansão da exploração destas personagens".

Amber e Judy, mulheres num mundo de homens

Embora os primeiros episódios da série pudessem sugerir que esta história de poder e disputa familiar seria contada apenas no masculino, o papel das personagens femininas acabou por se ir tornando mais decisivo. E assim promete continuar.

The Righteous Gemstones
The Righteous Gemstones

"Na primeira temporada, a minha personagem foi desafiada quanto ao que representava, quanto aos seus valores", recorda ao SAPO Mag Cassidy Freeman, que interpreta Amber Gemstone, a mulher de Jesse. "Acho que é muito importante para ela saber que consegue apoiar o marido, ser a segunda no comando, uma presença forte por trás dele. E na segunda temporada começamos a ver que funcionam mais como uma equipa, que são aliados, e a forma como partilham uma vida em conjunto".

"Espreitamos um pouco mais para as suas almas", adianta Edi Patterson, que encarna Judy, a irmã do meio dos Gemstones. "Acho que a Judy está quase sempre à beira da explosão e aqui continua assim. Mas também podemos ver algo nela um pouco mais recetivo às ideias e presença dos outros. E também se sente um pouco mais realizada quanto ao que quer fazer, com mais equidade em relação à família".

The Righteous Gemstones
The Righteous Gemstones

Tal como para Amber, a vida conjugal de Judy é um elemento-chave do seu arco narrativo, embora o seu relacionamento amoroso com Benjamin Jason "BJ" Barnes tenha uma dinâmica distinta. "Ele vê-a de uma forma que o público talvez nunca chegue a ver. Vê a sua mistura de talento, criatividade, dor, sofrimento e o seu lugar na família. Têm um elo único, tanto pela estranheza como pela ternura", diz Tim Baltz, que veste a pele do companheiro de Judy, um homem "que não se sente integrado". "E o facto de querer tanto integrar-se faz comove o espectador... mas também o faz rir dele", sublinha.

Cassidy Freeman considera que "também não há muitas séries que se centrem em três irmãos adultos com uma relação tão próxima. A dinâmica entre irmãos não é muito explorada na televisão, mas acho que é muito importante. Os nossos irmãos ajudam-nos a tornar as pessoas que somos, sejam mais velhos ou mais novos".

No caso de Judy, a ligação aos irmãos tem mesmo um impacto direto na mulher em que se torna. "Acho que as pessoas não mudam de um dia para o outro", confessa Edi Patterson. "Mas ela e a Amber, e as personagens masculinas também, evoluíram um bocadinho. Não estou a dizer que se tornaram pessoas incríveis [risos], mas evoluíram um bocadinho".