"De repente, estamos todos isolados e começamos a levantar todo o tipo de questões", descreve Morena Baccarin. E embora pudesse estar a referir-se a um episódio de "The Twilight Zone", resume a situação mundial de parte dos últimos meses, assombrados pelo impacto da pandemia COVID-19.
"E se acordássemos e isto nunca tivesse acontecido? É muito entusiasmante abordar as ideias e conceitos com que lidamos neste tempo. Julgo que o mundo tem sempre, de alguma forma, aspetos da Twilight Zone. E hoje em dia, mais do que nunca. Se quisermos visitar um museu, temos de o fazer de forma virtual... isso não anda longe dos ambientes da série", compara numa conferência de imprensa virtual na qual o SAPO Mag participou.
"Acho que neste momento estamos todos a pensar em coisas em que não pensávamos há muito tempo ou em que nem sequer tínhamos pensado", acrescenta, aproximando-se da visão sobre o contexto global atual de Billy Porter, outro ator de "The Twilight Zone" também entrevistado pelo SAPO Mag.
A atriz que nasceu no Brasil e se mudou para os EUA na infância encarna a protagonista de "Downtime", um dos dez novos episódios da versão mais recente da série de culto surgida em finais dos anos 1950. Este é também o único capítulo escrito por Jordan Peele, realizador de "Foge" e "Nós", que acumula ainda funções de ator e diretor executivo de "The Twilight Zone" (ao lado de Simon Kinberg e Marco Ramirez). "Fiquei fascinada ao ver alguém aparentemente tão realizada ver o seu mundo desabar de um momento para o outro", diz sobre a sua personagem, uma mulher que tem tanto a sua identidade como as noções de realidade colocadas em causa.
"Julgo que a principal questão [do episódio] é a de quem somos nós, e de quem somos nós em relação a nós próprios. De como estamos ligados ao nosso mundo interior e à realidade que nos envolve", assinala. "Quem sou eu? Quem somos? O que está lá fora? Quantas versões há da nossa realidade? É estimulante pensar nessas questões", aponta, mostrando-se intrigada pelas possibilidades que uma série como "The Twilight Zone" oferece, ao conjugar inquietações existenciais com ficção científica ou terror.
"À medida que fomos filmando, fomos vendo que o argumento estabelecia pontos de contacto com temas que não eram tão óbvios à primeira leitura, como identidade de género ou o que implica ser companheiro de alguém ao longo da vida", recorda.
Ficção científica, "uma relação antiga"
"A arte e o entretenimento podem servir dois propósitos: espalhar a palavra, educar, dar às pessoas uma plataforma com informação que precisa de ser vista e ouvida. Mas também podem ser uma forma de escapismo, e acho que 'The Twilight Zone' consegue agregar as duas. Não aborda especificamente o que estamos a passar, mas relaciona-se com isso de alguma forma sem deixar de ser escapismo, o que também é uma ambição válida", diz a a propósito da série de antologia que "não conseguia deixar de ver" quando a descobriu, na infância.
Com um percurso na interpretação que arrancou no início do milénio, Baccarin teve papéis regulares em apostas de ficção científica até chegar a "The Twilight Zone". "Já é uma relação antiga, começou com 'Firefly'. E fui percebendo que na ficção científica há mais oportunidades de interpretar personagens femininas fora da caixa, algo que nem sempre acontece tanto noutros géneros", nota.
"Stargate SG-1" e "V" são outras sagas que tem no currículo, mas o principal ponto de viragem deu-se na produção pela qual foi nomeada para o Emmy de Melhor Atriz Secundária numa Série Dramática, em 2013, aí já afastada de domínios sci-fi. "Tive ótimas experiências: 'Firefly', 'Deadpool'... E outras que sinto que tiveram impacto e fizeram diferença de alguma forma, como 'Segurança Nacional' e mais uma vez 'Deadpool', em alguns aspetos. Mas aquele que talvez me tenha feito crescer mais enquanto atriz foi provavelmente 'Segurança Nacional'. Foi muito emocionalmente intenso e até assustador, por vezes, explorar aqueles ambientes", lembra.
Mais recentemente, voltou ao Brasil para uma participação especial na série "Sessão de Terapia", experiência que gostaria de repetir, até porque lhe deu a oportunidade de voltar a falar português. "É desafiante ao início, porque embora seja a minha língua nativa, não a falo todos os dias, preciso de algum tempo para voltar a habituar-me a ela. Mas quando atuas numa língua diferente, ativas partes diferentes de ti, emoções que por vezes estão escondidas", conta. É também no seu país natal que deverá filmar um dos próximos projetos, o thriller "Tropico", da brasileira Giada Colagrande, ao lado de Willem Dafoe e Pedro Pascal - pelo menos se a pandemia COVID-19 permitir. "Espero conseguir fazer esse filme, gosto mesmo muito da história", avança. Por agora, fica garantida a sua presença em "The Twilight Zone". "Downtime" é o segundo episódio da nova temporada e estreia a 14 de setembro, às 22h15, no Syfy.
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