Ponto final na França num dos casos mais emblemáticos do #MeToo: o Tribunal de Cassação rejeitou definitivamente esta quarta-feira as acusações de violação apresentadas em 2018 contra o cineasta Luc Besson pela atriz Sand Van Roy, que promete avançar com uma ação na justiça europeia.
Numa decisão de que teve conhecimento a France-Presse (AFP), a mais elevada instância judicial da França, com sede em Paris, pronunciou a inadmissibilidade do recurso, por falta de "meios" jurídicos.
Esta decisão "põe, portanto, um fim definitivo a este procedimento iniciado em 2018, durante o qual Luc Besson foi sistematicamente exonerado", congratulou-se Thierry Marembert, o advogado do cineasta, que foi apoiado no processo no Tribunal da Cassação por Patrice Spinosi.
"Saúdo este procedimento exemplar, que permitiu a manifestação da verdade, que é que Luc Besson é inocente", acrescentou.
A queixosa, Sand Van Roy, reagiu imediatamente no Twitter: "Mais uma vez, (...) a justiça francesa recusa-se a examinar as provas do processo".
"Continuo com o processo em curso e vou recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem", acrescentou.
A atriz belga-holandesa, de 35 anos, apresentou queixa por violação a 18 de maio de 2018, poucas horas depois de um encontro marcado num hotel de luxo parisiense, cujos protagonistas deram duas versões diferentes.
Dois meses depois, denunciou outras violações e agressões sexuais cometidas, segundo ela, durante dois anos de relação de "caráter profissional" e sob as ameaças de "retaliação à carreira de atriz", pelo realizador de "O Quinto Elemento".
Luc Besson, por sua vez, lamentou uma relação extraconjugal num contexto de "subordinação", enquanto a atriz teve papéis pequenos nos seus filmes "Táxi 5" (em que era produtor) e "Valerian e a Cidade dos Mil Planetas".
"Esta história é uma mentira de A a Z. Não violei esta mulher, nunca violei uma mulher na vida. Nunca levantei a mão a uma mulher. Nunca obriguei fisicamente ou moralmente uma mulher a nada. Nunca droguei uma mulher, como li algures. É mentira", afirmou o realizador ao canal BFMTV em outubro de 2019.
"Traí minha mulher e os meus filhos. Não aconteceu apenas uma vez, aconteceu várias vezes em 20 anos de casamento", acrescentou Besson, casado com a produtora Virginie Besson-Silla.
"Desigual"
Esta decisão do Tribunal de Cassação está em linha com o posicionamento sistemático da justiça francesa neste caso: num primeiro momento, a Procuradoria arquivou a acusação em fevereiro de 2019, considerando que não foi possível "confirmar a infração denunciada".
A seguir, a atriz apresentou outra queixa no âmbito civil, que voltou a ser indeferida em dezembro de 2021 e confirmada pelo Tribunal de Apelação de Paris em maio de 2022.
Os magistrados do Tribunal de Recurso passaram em revista os depoimentos de três mulheres obtidos durante a investigação e contestados por Luc Besson, que evocaram "beijos no pescoço" até uma "tentativa de violação" sob possível ameaça de retaliação profissional.
Outras mulheres também testemunharam ao jornal 'online' Mediapart sobre gestos inapropriados ou agressões sexuais, muitas já prescritas, por parte do cineasta.
No seu recurso, a defesa da atriz considerou que a sentença estava infetada por irregularidades processuais e teria "desvirtuado" alguns elementos dos autos e também, e sobretudo, teria validado um procedimento "injusto" desde a sua origem.
Numa audiência a 24 de maio deste ano, o relator público e o procurador-geral tinham proposto a inadmissibilidade do recurso, considerando que a defesa questionava a "avaliação soberana" do tribunal de recurso, que os seus argumentos não eram sérios e que o Tribunal de Cassação não tinha o direito de se pronunciar sobre a necessidade de uma investigação adicional.
O realizador e produtor de 64 anos, conhecido ainda por filmes como "Vertigem Azul", "Nikita", "Léon - O Profissional" ou "Lucy", foi uma das principais figuras francesas apanhadas na onda de acusações de mulheres que afirmam ter foram vítimas de violação ou agressão sexual após a queda do produtor americano Harvey Weinstein em outubro de 2017.
Além do apelo ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Sand Van Roy abriu outra frente ao apresentar uma queixa por violação contra Besson na Bélgica.
O Tribunal Constitucional belga deverá pronunciar-se no final de 2023 sobre a sua admissibilidade.
Segundo o advogado da atriz, Antoine Gitton, a justiça belga disse, numa decisão de outubro do ano passado, "que há indícios incriminatórias suficientes para justificar um debate substantivo" perante um tribunal, e que "a justiça francesa não procurou a verdade de forma eficaz".
A sua cliente "continua a luta com muita calma, principalmente na Bélgica", informou.
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