Editado pela Livros do Brasil, “Todos os contos” chegou esta semana às livrarias, numa altura em que as anteriores antologias do autor estão esgotadas, compilando, na íntegra e por sequência cronológica, todas as suas narrativas – umas curtas e fragmentárias, outras longas e acabadas – que possam ser classificadas como contos.
“A presente edição portuguesa de ‘Todos os contos’ segue a edição alemã” e, para além dos contos publicados por Max Brod, amigo e testamenteiro de Franz Kafka, “este volume contém também os que foram publicados em vida do autor e ainda outros que nunca tinham sido incluídos em edições de contos até agora”, indica, num texto introdutório, Álvaro Gonçalves, que faz a tradução a partir do alemão.
O tradutor explica ainda que a ordem dos textos – que seguem rigorosamente o original alemão - é a da sequência cronológica da sua presumível origem.
Ao longo de 475 páginas estendem-se 85 contos, cujos títulos são apresentados com a respetiva versão original em alemão e com a data da sua origem.
“A versão portuguesa desta edição procurou ser o mais fiel possível ao texto original alemão”, mantendo toda a especificidade da escrita kafkiana, o que se aplica sobretudo às “características externas do texto”, ou seja, respeitando integralmente o arranjo gráfico, como por exemplo, a divisão dos parágrafos, a manutenção dos diálogos dentro dos parágrafos (sem as tradicionais entradas com travessões como é costume em português) e o uso de travessões intertextuais”, afirma Álvaro Gonçalves.
Quanto à pontuação, o tradutor revela que teve a preocupação de respeitar “a especificidade idiossincrática da pontuação kafkiana”, mantendo os períodos longos, mesmo quando as normas da pontuação portuguesa aconselhem a interrupção do discurso.
Nos 40 anos que viveu (1883-1924), Franz Kafka publicou apenas sete pequenos livros, sendo três deles antologias de contos e fragmentos.
Alguns desses contos viriam a tornar-se famosos, e até paradigmáticos da sua obra, como é o caso de “A metamorfose”, “A sentença” e “Na colónia penal”.
No entanto, foram os três únicos romances fragmentários que escreveu e que Max Brod publicou após a sua morte – “O processo” (1925), “O castelo” (1926) e “América” (1927) – que o consagrariam definitivamente como um escritor “revolucionário”.
Paralelamente à escrita destas obras, Kafka escreveu dezenas de contos, uns mais completos, outros fragmentários e outros em versão de esboço, sendo este o género em que mais praticava a arte da escrita literária, e no qual “demonstra a sua arte de conceção literária”, de acordo com o tradutor.
Por isso, já no final da sua vida, considerava-se não um romancista, mas apenas um simples contador de histórias.
Depois de Kafka morrer, Max Brod encontrou em cima da sua secretária, na última casa que habitou antes de partir para a Palestina, dois papeis escritos à mão, que lhe eram dirigidos.
Um pedia que todos os elementos do seu espólio fossem destruídos na íntegra sem serem lidos, enquanto o outro admitia que fossem poupadas as obras publicadas sob forma de livro, mas que nenhuma delas fosse reeditada.
Max Brod não destruiu rigorosamente nada, nem do que herdou (os manuscritos dos romances “O processo”, “O castelo”, os textos “Descrição de uma luta” e “preparativos para um casamento no campo”, cartas e desenhos), nem do que encontrou naquele quarto (vários cadernos escritos e maços de papel).
Pelo contrário, o testamenteiro de Kafka “iniciou o processo de procura de uma editora para a publicação das obras do espólio, conta Álvaro Gonçalves.
Os restantes manuscritos, como outros cadernos, cartas, diários e o manuscrito do romance “América”, foram dados como desaparecidos.
O primeiro volume de contos do espólio foi publicado em 1931 e constitui a base de sucessivas antologias que foram sendo organizadas e publicadas no pós-guerra por Max Brod, que editou os textos, para “apresentar um todo legível”, uma metodologia “bem-intencionada”, que apresentava um Kafka “formalmente ‘perfeito’”, mas que não tinha “qualquer rigor filológico”.
Em 1978, iniciou-se a organização da “Edição crítica das obras de Franz Kafka: Escritos – Diários – Cartas”, que anulou as intervenções de Max Brod e repôs o estado original em que se encontravam os escritos do autor.
Entre os contos constantes da presente edição portuguesa, incluem-se a breve novela “A sentença” e os textos extensos “A metamorfose”, “Na colónia penal” ou ainda “Josefine, a cantora ou O povo dos ratos”.
Franz Kafka nasceu em 1883, em Praga, no seio de uma família da pequena burguesia judia de expressão alemã.
Começou a escrever os seus primeiros textos em 1904 e em 1906 terminou os seus estudos universitários, doutorando-se em Direito.
Em vida, publicou apenas alguns textos em revistas e sete pequenos livros, de entre os quais se destaca “A Metamorfose”, que veio a lume em 1915, e que viria a afirmar-se como uma das suas obras de referência.
A 03 de junho de 1924, não resistindo à tuberculose diagnosticada em 1917, morre em Kierling, a poucos quilómetros de Viena.
A sua obra, centrada no homem solitário moderno, refém de uma vida absurda, tornar-se-ia uma das mais influentes do mundo literário do século XX.
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