O Ministério da Educação da França cancelou uma encomenda de "A Bela e o Monstro" com ilustrações modernas, dizendo que a versão para o século XXI de um cartunista, incluindo um cão pisteiro da polícia e smartphones, era inapropriada para as crianças pré-adolescentes.

Julien Berjeaut, cujo pseudónimo é Jul, foi convidado para ilustrar uma versão do famoso conto de fadas do século XVIII no âmbito de um plano do governo para dar a 800 mil crianças do ensino primário um clássico renovado para ler nas férias de verão.

A cópia digital do livro destinada à publicação apresentava o texto original de 1756 de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont.

As ilustrações de Jul que o acompanhavam retratavam a heroína com feições mediterrâneas escurecias, o Monstro como uma bola de pelos cómica e dentuça, e as suas irmãs egoístas como viciadas nos seus smartphones.

Para ilustrar o pai da Bela a percorrer o castelo do Monstro depois de "algumas taças de vinho", de acordo com o texto do século XVIII, Jul desenhou-o alcoolizado, a segurar uma garrafa e a cantar um famoso tema francês.

Além do livro contar os seus problemas comerciais e a ser "levado a julgamento pelos seus bens", ele desenha um navio a chegar do estrangeiro e polícias com um cão pisteiro a inspecionar caixas descarregadas do seu carro.

"É uma reescrita moderna. Temos um pai originário da Argélia, que deve ter cometido uma fraude e é parado pela polícia", disse a ministra da Educação Elisabeth Borne na quinta-feira.

"Talvez pudéssemos explicar isso um ambiente com professores", disse ao canal CNews/Europe1. "Mas é um livro que é suposto ser lido nas férias com a família".

"É certamente um trabalho interessante, mas não para este ambiente educacional", acrescentou.

Realidades complexas

Julien Berjeaut

Jul disse que recebeu uma carta do Ministério da Educação na segunda-feira a explicar que os temas das suas ilustrações — como o álcool e redes sociais — "seriam mais apropriados para alunos mais velhos no final do ensino preparatório ou início do secundário".

Esta quinta-feira, o ministério disse que estas "realidades complexas" incluíam o "tráfico de produtos falsificados" e "controlos policiais".

O autor criticou o que chamou de "decisão política" e "censura".

"A única explicação parece estar no desgosto em ver um mundo de príncipes e princesas que se parece um pouco mais com o das crianças em idade escolar de hoje", disse Jul.

Fazendo alusão às teorias de conspiração de extrema direita sobre imigração de pessoas não brancas para a Europa, o cartunista perguntou se tinha passado um limite para o ministério na "'grande substituição' de princesas loiras por jovens miúdas mediterrâneas".

Nos últimos anos, o presidente da França e o governo têm usado temas de discussão da extrema direita, especialmente sobre imigração, numa aparente tentativa de apelar ao eleitorado de direita.

Jul traçou um paralelo com a administração do presidente dos EUA, Donald Trump, a agir para impedir que alegadas "ideologias radicais e antiamericanas" — como discussões sobre privilégio ou género — sejam ensinadas nas escolas.

"Por que olhar para Donald Trump com alarmismo quando estamos passo a passo a seguir o mesmo caminho?", perguntou o cartunista francês.