Auster morreu em casa, em Nova Iorque, vítima de cancro do pulmão.
Nascido no seio de uma família judia de ascendência austríaca, em 1947, em Newark (Nova Jérsia), Auster faria mais tarde de Brooklyn a sua casa e cenário de romances, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990.
Tem uma extensa obra literária publicada em mais de 40 línguas, que também incluiu títulos de poesia e ensaio.
Em Portugal, Paul Auster tem grande parte da obra publicada, em particular os romances, como "Mr. Vertigo", "Palácio da Lua", "Música do Acaso", "Leviathan", "A Trilogia de Nova Iorque", "Timbuktu", "O Livro das Ilusões", "As Loucuras de Brooklyn", “O Homem na Escuridão” e “4 3 2 1”, com o qual foi finalista ao Booker Prize.
Assinou a realização de três filmes, incluindo “A Vida Interior de Martin Frost” (2007), rodado parcialmente em Portugal, e assinou o argumento de mais de uma dezena - o de "Fumo", colaboração com o realizador Wayne Wang, está entre os mais elogiados.
Foi galardoado com o Prémio Príncipe das Astúrias de Literatura 2006, feito Comendador da Ordem das Artes e das Letras de França em 2007 e é membro da Academia Americana de Artes e Letras e da Academia Americana de Artes e Ciências.
“Baumgartner”, o último romance
O último romance de Paul Auster, “Baumgartner”, foi lançado mundialmente em Portugal, a 9 de outubro de 2023, tendo chega ao mercado de língua inglesa apenas em novembro.
Traduzido por Francisco Agarez e editado pela Asa, “Baumgartner” é um “romance fulgurante sobre a beleza e a tragédia da vida quotidiana”, revelando um Paul Auster “no auge da sua mestria criativa e estilística”, diz a editora.
Nesta obra, o autor apresenta Sy Baumgartner, um escritor de renome e professor de Filosofia à beira da reforma, cuja vida fora definida pelo seu profundo amor pela mulher, Anna.
Nove anos passaram desde a sua morte inesperada, e Baumgartner continua a lutar para sobreviver a esta ausência.
É então que o romance de ambos é desvendado, desde o seu início, em 1968, quando Sy e Anna se conheceram enquanto estudantes falidos em Nova Iorque, seguindo a relação apaixonada que mantêm ao longo dos quarenta anos seguintes.
A dada altura, Baumgartner decide ler os textos autobiográficos de Anna e descobrirá se as suas memórias são coincidentes com as da mulher.
Esta abordagem narrativa levanta reflexões como “por que é que nos lembramos de certos momentos da nossa vida e esquecemos outros por completo?” ou “de que são feitas as nossas histórias pessoais?”.
Com “Baumgartner”, Paul Auster regressou à ficção seis anos depois de “4 3 2 1”.
Uma voz crítica de Donald Trump, "um perigo que se alimenta da atenção"
Num encontro com jornalistas em Cascais, em 2017, no âmbito do Festival Internacional de Cultura com o propósito de debater os temas suscitados pelo romance "4 3 2 1", Auster debruçou-se sobre o panorama político do seu país de origem, tecendo críticas a Donald Trump, uma figura que classifica como um indivíduo "furioso, irracional, instável e narcisista: um perigo que se alimenta da atenção" que o mundo lhe dá.
O autor afirmou que Trump "está apenas no início", o que impede reflexões artísticas exatas. Na ótica do escritor, primeiro cabe "aos jornalistas apurarem a verdade de tudo o que se passa agora", partindo do princípio que o "bom jornalismo" é o "trabalho mais importante para o bem-estar do mundo".
Auster adiantou que a mesma profissão está "sob ataque", colocando em risco "a fé das pessoas na verdade", numa fase em que nunca os jornalistas foram tão necessários, numa discussão dentro do contexto da narrativa quadripartida do romance mais recente, em que uma das quatro versões do protagonista, Archie Ferguson, toma a decisão de enveredar pelo universo jornalístico.
O escritor, vencedor de múltiplos prémios literários, receia que Trump continue "a persuadir as pessoas de que as mentiras [que conta sejam] verdade", já que o 45.º chefe de Estado norte-americano utilizou "as mesmas táticas que os Nazis nos anos 1930 e 1940", tornando-se "uma pessoa perigosa para governar o país mais poderoso do mundo".
Apesar de todos os tumultos sociais que acontecem, diariamente, Auster insiste que a inspiração para as narrativas de ficção não parte do mundo exterior, mas antes "do inconsciente", que depois se mistura com os fatores sociais "de um país construído por imigrantes", no qual Nova Iorque funciona como um antídoto contra a crescente divisão visível nos Estados Unidos.
"Nova Iorque é encarada como a cidade representante do ideal norte-americano [sendo que] 40% dos seus habitantes nasceram noutros países [mas], às vezes, acho que a cidade devia abandonar os Estados Unidos e transformar-se num estado separado, porque o resto do país não percebe [o que o local simboliza]", disse.
Questionado mais diretamente quanto às falhas do partido Democrata, de acordo com Auster "tudo se alinhou perfeitamente" a favor do magnata, reduzindo as hipóteses de Hillary Clinton, que perdeu votos devido "a um país misógino".
O romancista "queria que Hillary percorresse o país da mesma forma que Martin Luther King [aquando do Movimento dos Direitos Cívicos]", contrastando com o método de Trump, ao escolher "incitar o pior da natureza humana", com "30 a 35% do país a adorar aquilo que ele faz". Estas são as razões que levam Paul Auster a concluir que "uma grande percentagem do eleitorado americano jamais votaria" em Hillary Clinton.
O autor assinalou ainda que as mudanças e a "nova era" de que fala se tratam de "um fenómeno global" que coloca a Europa e os Estados Unidos em posições similares, seja devido aos resultados do Brexit [referendo que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia], ou devido à vitória de Donald Trump.
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