O cineasta Jacques Doillon, acusado de agressão sexual por várias atrizes, incluindo Judith Godrèche, denunciou uma 'mentalidade de rebanho' e mentiras encorajadas por “uma liga da virtude” que faria “reinar o medo”, numa entrevista publicada esta quarta-feira pelo Le Parisian [acesso pago].

“Nunca prometi um papel a ninguém nem aproveitei a minha posição de realizador para obter favores sexuais", assegura o realizador, conhecido por "Ponette" (1996), um dos mais aclamados e populares filmes da sua década,  e "La drôlesse" (1979), "A Pirata" (1984), "O Pequeno Criminoso" (1990), "Le jeune Werther" (1993) e, mais recentemente, "O Casamento a Três" (2010) e "Rodin" (2017).

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"Em 35 filmes, já me aconteceu uma ou duas vezes ter romances com atrizes, mas não fui um assediador”, diz.

Grande figura do cinema de autor, um dos herdeiros do movimento 'Nouvelle Vague', o realizador de 80 anos está sob investigação após uma queixa de Judith Godrèche, que o acusa de a ter agredido sexualmente à margem da rodagem de “A Rapariga de 15 Anos”, lançado em 1989, e de a violar no seu escritório.

"Nunca tive uma relação íntima com Judith Godrèche. Nunca me senti atraído por ela", garante o cineasta sobre a atriz, que se tornou a ponta de lança de um movimento #MeToo em França.

"Judith Godrèche 'abriu o baile' e fez de mim o seu bode expiatório. Seguiram-se as outras acusações. Parece que a mentalidade de rebanho descrita na psicologia se aplica ali perfeitamente", acredita.

Judith Godrèche e Jacques Doillon em "A Rapariga de Quinze Anos"

"A minha carreira acabou. Tive projetos cinematográficos que desapareceram. (...) Fui dispensado por certas pessoas porque foram pressionados por Judith Godrèche e a sua comitiva. Sou a atração principal de cineastas na lista negra", reage.

“Quando soube das acusações de Judith Godrèche, fiquei siderado, estupefacto e zangado”, diz.

Questionado sobre o seu novo filme “CE2”, cujo lançamento foi adiado indefinidamente após as acusações, acredita que poderá 'talvez' ser exibido quando “a liga da virtude de Judith Godrèche (…) deixar de fazer reinar o medo”.

Nesta entrevista, o cineasta também fala de uma 'mentira' ou manipulação para negar as acusações feitas por Isild Le Besco, que afirma ter tido que suportar as suas investidas e descreveu uma 'relação possessiva' durante a produção de "Au fond des bois" ("No fundo da floresta", em tradução literal).

“É uma história que ela inventa ou que alguém lhe sugere”, acredita.

Quanto a Anna Mouglalis, que garante que o cineasta a beijou à força na sua casa em 2011, levanta a hipótese de ciúme ou novamente de manipulação.

“Acho que a Anna tinha ciúmes da minha filha, que acabara de filmar com o Samuel [Benchetrit, companheiro na altura de Mouglalis]. Ou foi pressionado por outros para dizer algo que não aconteceu", garante.

Judith Godrèche pediu nos César que cinema francês enfrente a verdade sobre violência sexual

Judith Godrèche na cerimónia dos prémios César a 23 de fevereiro de 2024

Da acusação de violação e agressão sexual de Gérard Depardieu às acusações feitas por Judith Godrèche, seguida de outras atrizes, a violência sexual assombra o cinema francês mais do que nunca desde os últimos meses de 2023.

Judith Godrèche denunciou o “nível de impunidade, negação e privilégio” da indústria e foi aplaudida de pé durante a cerimónia dos prémios César, os 'Óscares franceses', a 23 de fevereiro.

“Por que aceitar que esta arte que nos une seja usada como disfarce para o tráfico ilícito de meninas?”, questionou a mulher que 'libertou' outras pessoas a falarem sobre o assunto em França, ao apresentar uma queixa contra os realizadores Benoît Jacquot e Jacques Doillon, por violência sexual e física durante a adolescência, acusações que este último nega.

“É preciso ter cuidado com as meninas, elas atingem o fundo da piscina, magoam-se, mas recuperam”, acrescentou, apelando às vítimas para acreditarem.