Há 10 anos que Marieke passa seis meses a bordo do “Lady Flow”, onde compõe músicas sobre os locais por onde passa e partilha-as em concertos gratuitos, em portos e marinas.
São 18:00, num sábado de sol. Na marina de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, as pessoas vão chegando timidamente para o concerto. Entre turistas e locais, sentam-se no chão ou na esplanada da gelataria em frente ao veleiro.
Aos primeiros acordes de “Hello Saudade” – cantada em inglês, mas com uma palavra bem conhecida dos portugueses – a plateia improvisada vai-se compondo. Há quem pare com curiosidade, a meio de um passeio de final de tarde.
Quando termina a primeira música, Marieke cumprimenta o público e conta, em português, como nasceu o projeto “Pianocean”, que já passou pelo Mar Mediterrâneo, por França, Irlanda, Escócia e Noruega.
Apaixonada pelo mar e pela música, a cantora francesa comprou um veleiro, há dez anos, e instalou um piano no convés, criando um sistema que lhe permite mantê-lo fechado na cabine quando está a navegar e elevá-lo para os concertos.
“É um sonho que tenho desde adolescente. Comecei a viajar com a minha música desde muito nova. Aos 16, 17 anos tocava nas ruas da Irlanda. Estava convencida de que a música seria a melhor forma de viajar, conhecer pessoas e descobrir novos locais”, conta, em declarações à Lusa, momentos antes do primeiro concerto desta temporada.
Marieke canta em francês, inglês, norueguês, gaélico e português. Antes de cada tema conta a história de como surgiu.
“Todas as canções estão relacionadas com um lugar. É a minha forma de partilhar a minha viagem com o público”, revela.
Apesar do cansaço e das tempestades, que por vezes surgem entre cada porto, tocar a bordo de um veleiro “não tem comparação com um concerto normal”.
“Muitas pessoas vão a passar na rua e ouvem o som do piano e vão ver o que é. E depois sentam-se durante uma hora e veem um concerto com o qual não estavam a contar. Gosto de trazer a cultura para o dia-a-dia, trazer alguma poesia, alguma aventura, levá-la para fora da sala de concertos”, explica.
A cantora francesa descobriu os Açores em 2023 e deu concertos em sete das nove ilhas. Deixou o veleiro na marina da Praia da Vitória, durante o inverno, e regressou para o arranque de uma nova temporada.
“Apaixonei-me completamente pelo arquipélago. É um sítio incrível. As pessoas têm uma sensibilidade bonita em relação à música, ao ambiente, ao mar, à natureza e à poesia. Há uma cultura bonita, musical, literária”, afirma.
“E cada ilha é única. Sabes que estás nos Açores, mas sabes que estás na Terceira e não no Pico. E quanto estás no Pico sabes que estás no Pico e não no Faial. Todas têm as suas especificidades e eu gosto muito disso”, acrescenta.
O veleiro, em que viaja sempre acompanhada pelo marido, pelo filho e pelo gato, tem um pequeno estúdio, onde vai gravando as músicas que compõe por onde passa.
O álbum mais recente, “Hello Saudade”, foi inspirado e composto inteiramente nos Açores, com a colaboração de músicos locais.
“Quando descobri essa palavra [saudade] e a sua tradução, disse: isto sou eu, é a minha vida”, brinca.
Marieke gosta do equilíbrio de passar metade do ano no mar e metade em terra, mas admite que a vida nómada é desafiante.
“Em todos os sítios conhecemos pessoas maravilhosas, fazemos bons amigos, mas temos sempre de partir e seguir para o próximo concerto e para o próximo destino. Isso significa que temos de dizer adeus muitas vezes”, justifica.
No final de cada concerto, vende os seus CDs para financiar a viagem, e chega a passar uma hora com o público a conversar.
“É um dos melhores momentos. As pessoas partilham as suas impressões, algumas estão a chorar, outras estão felizes. É uma ligação boa”, vinca.
Em Angra do Heroísmo, para além dos temas do novo álbum, cantou o tema açoriano “Ilhas de Bruma”, acompanhado no refrão pelo público.
“Esta música toca o coração”, afirma Eva, natural da Checoslováquia, mas a viver nos Açores.
Ouviu falar do “Pianocean” em 2023, mas só este ano conseguiu assistir ao concerto.
“Eu gosto de ela misturar músicas de todas as viagens, com estilos diferentes. Cantar as ‘Ilhas de Bruma’ foi espetacular”, acrescenta a amiga Tânia, da Noruega.
Carlota descobriu o espetáculo no ano passado, “foi uma surpresa ótima e quis repetir”.
“O facto de ela ser velejadora e andar de porto em porto com o seu piano, a música, a arte, o mar, uma grande proximidade com a natureza, acho lindíssimo o conceito. É muito poético e inspirador”, salienta.
Telma foi acompanhada pelo filho, que “adorou” a experiência. Descobriu o concerto “por acaso”, mas já pensa em regressar no próximo ano.
“É disto que nós precisamos, esta paz e esta tranquilidade”, aponta.
Em cada temporada, o “Pianocean” soma 20 a 30 atuações. Depois de dois concertos na Terceira, parte para Graciosa, Pico, Faial, São Jorge e São Miguel. Seguem-se os arquipélagos da Madeira e das Canárias e a primeira viagem transatlântica do “Lady Flow” até ao Canadá.
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