Só este ano já foi Amadeo de Souza-Cardoso, participou no aclamado díptico "Viver Mal"/"Mal Viver", de João Canijo, e integrou o elenco da série-fenómeno "Rabo de Peixe", da Netflix. E há outros papéis a caminho, diz Rafael Morais em entrevista ao SAPO Mag. Mas para já, é tempo de falar de Jonas, um desafio singular num currículo que conta também com o já distante "Amor de Perdição" (2008), de Mário Barroso, ou séries como a espanhola "White Lines" ou a portuguesa "Glória", outras apostas no streaming.
A sua personagem em "Pátria", o novo filme de Bruno Gascon, que chegou às salas esta semana, abraça ideais de extrema-direita e atravessa-se no caminho do protagonista, Mário (Tomás Alves), no retrato de um Portugal distópico dominado por um regime totalitário. Apesar de ser um exercício ficcional, qualquer semelhança com a realidade não será pura coincidência...
SAPO Mag - O que mais o entusiasmou nesta personagem?
Rafael Morais - Tive ali um momento de debate a ponderar se aceitaria ou não pelo único motivo de que achei que era perigoso. E depois percebi que o facto de ser uma personagem perigosa de retratar enquanto ator é um motivo para a fazer. Não temos muito o hábito deste cinema mais de género em Portugal e isso entusiasma-me.
Como se preparou para uma interpretar uma das figuras mais extremas do seu percurso?
Tive receio que se tornasse naquele cliché do vilão que estamos habituados a ver nos filmes de James Bond e nos filmes da Marvel. Não tinha interesse nenhum em fazer isso. E, portanto, para me preparar para criar uma personagem humana, que para mim será a prioridade, queria criar um indivíduo com muito trauma e muita insegurança, medo, o mais real possível. E para isso achei essencial criar todo um passado para a personagem, costumo fazer isso em quase todas as personagens. Apesar de não fazer parte da ação do filme, queria ter uma história de infância dele, do pai não estar presente, da mãe se prostituir para justificar um bocado o passado - de onde é que ele vem, onde é que ele vai chegar, onde chega, e o facto de ser como é, tão explosivo, tão brilhante, tão agressivo. Vi muitos documentários sobre o nazismo, muitos discursos do Hitler... Muitos, muitos discursos do Hitler. Mas hoje em dia ligas a televisão e vês este tipo de pessoas que acredita nestas ideologias em todo o lado: redes sociais, internet, televisão, amigos de amigos...
Que desafios foram surgindo durante a rodagem?
O que eu "exigi" ao Bruno, ou pedi ao Bruno, foi que ele me desse o máximo de liberdade possível. Porque acho que esta personagem não é de todo racional, ou é muito pouco racional. E achei que para mim, como ator, seria essencial ter esse tipo de liberdade de poder mudar de take para take assim que sentisse que a cena estivesse a estagnar ou a repetir-se. E adorei fazer isso, criar intimidade também com o resto do set, especialmente com a Iris [Cayatte], que interpreta a minha namorada, Hanna. E poder também sentir a liberdade de improvisar e seguir a minha intuição no meio da cena sem passar qualquer tipo de linha de respeito para com ela. Gostei imenso disso e foi um desafio, na verdade foi um desafio estar no set e estar, pura e simplesmente, no momento, no presente, sem qualquer tipo de pensamento de olhar para este lado, olhar para aquele, fazer isto desta forma ou da outra. Apenas viver a cena. E deixar-me contagiar e reagir pelos outros atores, pelos décors, por tudo.
Este não é, como referiu, um género de filme que vejamos muito no cinema português. Sentiu essa diferença?
Senti ao início, mas entrei rapidamente dentro do universo da história do filme, até porque filmámos durante a pandemia e tivemos muito tempo fechados dentro dos décors, com os atores, o que eu acho que ajudou imenso. Foi uma coisa positiva que veio de uma coisa negativa. Inicialmente estranhei, mas depois facilmente percebi a linguagem do filme e a maneira como o Bruno estava a filmar e a retratar esta história. Acho que entrei facilmente dentro deste universo.
Como foi trabalhar com Bruno Gascon face a experiências com outros realizadores?
Acho que os realizadores são todos muito diferentes uns dos outros. Acho que uma das coisas que me fascina e sempre fascinou em ser ator é precisamente cruzar-me e trabalhar com realizadores e atores muito diferentes uns dos outros. Sou uma pessoa que não lida muito bem com a rotina e, portanto, isso fascina-me imenso. E o Bruno foi interessante. Aliás, nós voltámos a colaborar recentemente. Fizemos uma série que se chama "Irreversível", que vai estrear-se brevemente [na RTP]. Foi uma relação saudável e, mais do que tudo, produtiva. Acho que há diálogo e comunicação entre os dois, percebemo-nos um ao outro e ouvimo-nos um ao outro. Acho isso super importante, ires criando estas tuas famílias enquanto ator e conseguires dialogar quase sem intervalos. Ele tem um olhar e tu percebes que é mais por aqui, mais por ali. Foi interessante, acho que o Bruno e a Joana [Domingues, produtora] são um "power couple" que se mexem muito bem, mesmo a nível de promoção, organização e produção do próprio filme, que é raro em Portugal. A maneira como eles conseguem apoios, como eles conseguem orquestrar esta equipa toda. Espero voltar a trabalhar com ele, acho que está também a amadurecer cada vez mais.
Costuma estar envolvido em vários projetos. Quais tem em curso nos próximos tempos, além de "Irreversível"?
Agora tenho um projeto, uma longa-metragem para o início do próximo ano. Uma coprodução francesa, da qual não posso falar muito ainda porque não gosto muito de falar antes das coisas estarem divulgadas. E estou também a desenvolver, a coescrever e a correalizar um projeto com um realizador português do qual também não posso falar muito ainda. Vai ser muito interessante, vamos filmar em Paris. E pronto, é isso. Tenho algumas coisas para estrearem e estou à espera que a greve nos Estados Unidos acabe para voltar a bombar nas self-tapes e trabalhar lá fora. É uma coisa que ainda quero manter.
Que razões apontaria para ver "Pátria", em especial no cinema?
É um filme que foi escrito com o intuito de entreter mas também de provocar. Ficaria muito contente se ambas acontecessem, se as pessoas se entretivessem a ver. Porque tem momentos de ação, tem momentos de romance, tem toques mais de filme de género e ao mesmo tempo é uma temática que espero que provoque, que crie uma discussão. Acho que é importante no cinema experienciar isso. E vai haver reações interessantes por parte do público.
TRAILER DE "PÁTRIA":
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