Taciturno, enigmático e inteiramente dedicado ao seu trabalho: é assim que Pedro Sousa, inspetor da polícia e protagonista de "Irreversível" (ao lado da psicóloga Júlia Mendes, interpretada por Margarida Vila-Nova), se tem apresentado aos espectadores da minissérie estreada a 14 de outubro na RTP1 e RTP Play.

A personagem é das mais recentes de Rafael Morais, ator que fez parte do elenco do elogiado díptico "Mal Viver"/"Viver Mal", de João Canijo (e da série "Hotel Rio", descrita como "visão total" dos dois filmes e também emitida no canal público), foi Amadeo de Souza-Cardoso no filme de Vicente Alves do Ó baseado no ícone modernista e passou por séries como "Glória" e "White Lines", ambas disponíveis na Netflix (e vai voltar à segunda em 2025).

Irreversível
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"Irreversível" marca o reencontro com Bruno Gascon, que o dirigiu em "Pátria", distopia com fantasmas da extrema-direita. A minissérie de seis episódios, no entanto, aproxima-se dos modelos mais realistas de "Carga" (2018) e "Shadow" (2021), thrillers anteriores de um realizador com um interesse contínuo pelo policial. A história da investigação da morte de uma adolescente, numa Figueira da Foz especialmente turva, traz ecos de modelos televisivos nórdicos (como "A Ponte" ou "The Killing", duas referências suecas) cruzados com marcas de vivências, hábitos e tensões locais.

"Acho que correu muito bem o formato de série para o Bruno. Estou a falar por ele, mas acredito que é um modelo que entusiasma mais, porque passas mais tempo com as personagens, passas mais tempo com a história, tens mais tempo para explorar a narrativa", conta Rafael Morais ao SAPO Mag numa conversa na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, que também incluiu os seus papéis em "Entroncamento", o próximo filme de Pedro Cabeleira (autor de "Verão Danado", de 2017), ou "Um Café e um Par de Sapatos Novos", do albanês Gentian Koçi, que chega aos cinemas já a 31 de outubro (estreia a guardar na agenda e à qual voltaremos em breve, com a segunda parte da entrevista).

Irreversível
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SAPO Mag - Como foi a experiência de voltar a trabalhar com Bruno Gascon, agora numa série, depois do filme "Pátria"?

Rafael Morais - A personagem desta série é muito diferente da do "Pátria". Diria que é quase o oposto. Isso foi muito fixe de explorar com ele, porque o "Pátria" era um extremo de violência, de emoção, de raiva, e esta personagem é muito mais contida. Essa também foi uma escolha que eu decidi tomar para a personagem, de ter uma tensão constante, física e até na maneira de falar, uma tensão de maxilar, de quase não querer mostrar a emoção que está a sentir pelo trabalho que tem, primeiro que tudo porque trabalha para a PJ, e segundo, pelo passado que teve com a Júlia, a psicóloga. E foi interessante. Acho que é uma série que está muito bem conseguida tendo em conta o budget e o financiamento que teve. Acho que tem agarrado os espectadores, as críticas que tem recebido são ótimas. Acho que a RTP é a única estação que investe, seja na RTP Lab ou nas séries da RTP, com conteúdo de mais qualidade, em que se correm mais riscos com coisas menos comerciais. E foi interessante trabalhar com a Margarida Vila-Nova, trabalhar com um elenco fantástico. E não é aquele clássico cliché de thriller, tem muito da atmosfera de série de género, nórdica, com muitas influências que gostei imenso de explorar enquanto ator.

Não temos visto muita produção nacional com essas influências de thriller nórdico. Já estavas familiarizado com esse género de produções? E se já, foste procurar mais?

Já. Não fui ver mais para pesquisa, mas já estava familiarizado com várias séries suecas que são incríveis, das quais fazem remakes até nos Estados Unidos, são de facto fabulosas. Para pesquisa nesta série, não necessariamente... Fiz questão de falar com uma inspetora da PJ, familiar de uma amiga minha, para tentar perceber como funcionam os sistemas da polícia em Portugal. Queria esclarecer alguns pontos do guião em relação a isso, e depois, queria perceber o lado pessoal do que é ser um inspetor da PJ e ter de lidar com esse tipo de crimes ou outros no dia a dia e de que forma se consegue ou não separar isso da vida pessoal. Da mesma forma que diria que um ator tem de arranjar técnicas ou maneiras de não deixar a personagem afetar demasiado a vida pessoal para conseguir desligar quando vai para casa, que é uma coisa que se aprende com tempo, eu acho, e com experiência, porque há personagens e filmes e projetos que às vezes nos afetam mais que outros. Foi interessante perceber até que ponto é que ser polícia ou inspetor tem impacto na vida privada. Foi essa a pesquisa que fiz, e depois construí o passado da personagem, que eu gosto de fazer na maior parte das personagens que interpreto, acho que é essencial criar um passado. Tendo em conta que ele teve caso com a psicóloga Julia, isso vem afetar a maneira como ele investigou o caso.

Irreversível
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Quanto tempo é que estiveste com esta personagem? E foi só com ela ou trabalhaste outras no mesmo período?

Já tive alguns casos em que estava a trabalhar em projetos diferentes ao mesmo tempo, mas tento evitar ao máximo, especialmente se for protagonista. Quero dedicar-me a 100% e é difícil conseguir conciliar dois projetos diferentes. Tive algum tempo, mas também foi uma pesquisa que se foi alastrando durante o processo de rodagem. Não dava tempo para estar a fazer outro projeto. Aliás, tive de recusar o convite para fazer um espetáculo de teatro que me interessava bastante na altura, porque surgiu depois, porque estava a fazer a série. Era impossível, fisicamente impossível fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

A ação decorre na Figueira da Foz, uma forma de descentralizar das rodagens em Lisboa ou mesmo no Porto...

E foi muito bom, eu acho.

Como é que foram recebidos? Também já tinhas passado por um processo semelhante na "Rabo de Peixe", por exemplo, rodada nos Açores...

Fomos muito bem recebidos. Acho que há vantagens não só para a cidade, para a Figueira da Foz, mas para nós atores também, no facto que estarmos fora de Lisboa, fora de casa. A mim, ajuda-me estar fechado fora da minha casa, do meu ambiente familiar, e conseguir estar totalmente encerrado e focado no que estou a fazer e com o resto do elenco, e podermos estar à noite no jantar, ou a seguir ao jantar a discutir as cenas. E lá está, descentralizar é muito importante porque Portugal é mais do que Porto e Lisboa e acho que devemos mostrá-lo. Tivemos o apoio da Câmara Municipal e a Joana Domingos, a produtora, é fantástica, conseguiu juntar os apoios necessários para concretizar a série.

Irreversível
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Em que outras séries ou filmes poderemos ver-te a seguir?

Antes desta, fiz "Madrugada Suja" para a RTP também, que se vai estrear em inícios do próximo ano. Sou protagonista, com a Victória Guerra. É baseada no bestseller do Miguel Sousa Tavares. E tenho o filme do Pedro Cabeleira, "Entroncamento", que vai fazer o circuito de festivais, que veremos agora em 2025. Está no final da montagem. Foi uma experiência incrível, ele tinha feito o "Verão Danado" e adorei trabalhar com ele, adorei. Ainda não vi nada do material, quero ver quando ele me quiser mostrar. Estou muito curioso porque a experiência foi absolutamente incrível. Sou eu, a Ana Vilaça, o Tiago Costa, a Cleo Diára e basicamente, basicamente, o resto do elenco são não atores. Isso foi muito satisfatório para mim. Não atores, mas totalmente confiantes em frente à câmara, porque era pessoal que o Pedro conhecia pessoalmente do Entroncamento. E foi interessante porque já tinha contracenado com não atores antes, mas sempre senti que eu estava a tentar puxá-los para um nível de interpretação. E neste caso foi o oposto, porque eles eram tão genuínos, apesar de fazerem deles próprios, que eu estava a tentar chegar ao nível deles, e isso foi super interessante. É um filme pesado. Foi processo de rodagem também com ensaios, como deve ser, que eu acho que é uma coisa fantástica, cada vez mais rara. Estive a dormir uns dias na casa da personagem, a conhecer o pessoal do bairro, deixei-me contagiar pelo ambiente por osmose.

Daquilo que podes revelar, vai ser um retrato de juventude contemporâneo, como "Verão Danado"?

São duas histórias principais que se cruzam com algumas histórias paralelas.

Um filme-mosaico?

Sim. E estou muito curioso para ver o filme. Foi das personagens mais diferentes que já fiz até hoje. E pronto, tirando isso, tenho o novo filme do Vicente Alves do Ó, "Malcriado", que há de estrear-se brevemente. E tenho uns projetos para filmar para o ano.