A caminho dos
Óscares 2023
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas vai investigar os "procedimentos de campanha à volta dos nomeados deste ano" aos Óscares "para garantir que nenhuma regra foi violada".
Em comunicado divulgado na sexta-feira, a organização avançou que essa investigação tem ainda como objetivo perceber "se mudanças nas regras podem ser necessárias numa nova era de redes sociais e comunicação digital”.
Embora não seja mencionado qualquer filme ou personalidade nomeada, observadores da indústria avançam que a investigação é uma resposta à maior surpresa das nomeações anunciadas a 24 de janeiro: a presença de Andrea Risebourogh na corrida para Melhor Atriz, juntamente com Cate Blanchett ("Tár"), Michelle Yeoh ("Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo"), Michelle Williams ("Os Fabelmans") e Ana de Armas ("Blonde").
O consenso era que Blanchett, Yeoh e eventualmente Williams teriam a companhia de Viola Davis ("A Mulher Rei") e Danielle Deadwyler ("Justiça para Emmett Till").
Sem ser uma estrela, mas com uma carreira de respeito de duas décadas em cinema, TV e teatro, que inclui filmes como "Happy-Go-Lucky", "Birdman", "Animais Noturnos" e "A Morte de Estaline", a atriz britânica de 41 anos foi nomeada pela interpretação de uma mãe do Texas alcoólica em busca de redenção depois de desperdiçar uma vitória na lotaria no drama "To Leslie", que arrecadou pouco mais de 27 mil dólares nas bilheteiras dos cinemas durante um breve lançamento em outubro do ano passado.
As campanhas para os Óscares não são nada de novo e normalmente envolvem o apoio e considerável apoio financeiro dos grandes estúdios de Hollywood, mas a que foi criada para Risebourogh foi diferente: um movimento popular online apoiado por "amigos" famosos.
Após Risebourogh ser nomeada para os Independent Spirit Award (os prémios do cinema independente) e sem dinheiro para investir, a atriz Mary McCormack, esposa de Michael Morris, o realizador do filme, construiu uma campanha com a ajuda de duas empresas de publicidade que "incluiu enviar um e-mail para amigos pedindo-lhes que apoiassem publicamente o filme e a interpretação de Riseborough, incluindo imagens e hashtags e contas sugeridas para marcar em mensagens nas redes sociais", indicou a revista Variety.
Gwyneth Paltrow, Edward Norton, Jennifer Aniston, Frances Fisher, Susan Sarandon, Amy Adams, Jane Fonda, Sally Field, Liam Neeson, Laura Dern, Catherine Keener, Geena Davis, Mira Sorvino, Rosie O’Donnell, Alan Cumming e Zooey Deschanel foram alguns dos que elogiaram publicamente o filme e a atriz nas redes sociais.
Alguns desses atores e ainda Charlize Theron, Courteney Cox, Minnie Driver e Demi Moore foram ainda mais longe, surgindo no papel de anfitriões de sessões especiais de visionamento, enquanto Kate Winslet organizou um "Q&A" virtual com Riseborough. A própria Cate Blanchett destacou a colega no seu discurso ao aceitar o prémio de Melhor Atriz nos Critics’ Choice Awards.
No seu comunicado, a Academia salienta: "Temos confiança na integridade dos nossos procedimentos de nomeação e votação e apoiamos campanhas populares genuínas para desempenhos excecionais".
Muitos na indústria expressaram admiração e respeito pelo esforço: como tem notado a imprensa especializada, esta campanha popular vai ser estudada para os próximos anos depois de ter conseguido resultados numa era onde as distribuidoras dos filmes investem muito dinheiro em firmas e estrategas dos prémios para conseguir nomeações.
No entanto, há quem veja a nomeação de Riseborough um "escândalo" que tem de ser investigado por uma alegada violação das regras 10 e 11 da Academia: "É expressamente proibido entrar em contacto com os membros da Academia diretamente e de maneira fora do âmbito destas regras para promover um filme ou mérito para consideração aos prémios da Academia", assim como "qualquer tática que destaque 'a concorrência' por nome ou título".
Fontes ligadas a "To Leslie" garantem que nenhuma regra foi quebrada nos eventos que controlaram, como dizer "votem em Andrea Riseborough", e que o objetivo foi sempre que o filme não passasse despercebido.
Reagindo à investigação, a atriz Christina Ricci escreveu nas redes sociais: "Parece risível que a 'nomeação surpreendente' (o que significa que não se gastaram toneladas de dinheiro para colocar esta atriz) de uma atuação legitimamente brilhante esteja a ser investigada. Então são apenas os filmes e atores que podem pagar pelas campanhas que merecem reconhecimento? Parece elitista e exclusivo e, francamente, muito em sentido contrário para mim".
Apesar do debate, nota-se nas análises das publicações The Hollywood Reporter e Deadline (este significativamente intitulado "muito barulho por nada") que se está a formar um consenso de que não há nada de novo neste tipo de campanhas para chamar a atenção para atores e filmes, incluindo a organização de eventos, e que a controvérsia surge porque não foi organizada por estúdios e contraria a narrativa avançada por "lobbies" poderosos de que é preciso gastar muito dinheiro e contratar empresas e especialistas para chegar às nomeações.
O debate também ganhou preocupantes tons raciais à volta de um movimento de atores famosos "brancos" a apoiar outra atriz "branca" que "empurrou" para fora da corrida as atrizes "negras" Viola Davis e Danielle Deadwyler.
Logo a seguir às nomeações, Chinonye Chukwu, realizadora de "Justiça para Emmett Till", escreveu que "Vivemos num mundo e trabalhamos em indústrias que estão tão agressivamente comprometidas em defender a brancura e perpetuar uma misoginia descarada em relação às mulheres negras”.
Por seu lado, Gina Prince-Bythewood, realizadora de "A Mulher Rei", optou por fazer a ligação a um artigo do jornal Los Angeles Times e destacar o título: "Não são apenas os Óscares que falham com as mulheres negras. É todo o ecossistema de prémios".
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