A história de Peter Pan, o rapaz que não queria crescer, criada pelo dramaturgo J.M. Barrie em 1904, já teve várias adaptações no cinema e uma das mais famosas é precisamente a do clássico de 1953, o 14.º filme de animação da Walt Disney: "As Aventuras de Peter Pan".
Por isso, a história é familiar: voltamos a encontrar Wendy Darling, agora uma adolescente com medo de deixar para trás a sua casa, que recebe a visita de Peter Pan, o menino que se recusa a crescer, e com os seus irmãos e Sininho, uma pequena fada, viajam até ao mundo mágico da Terra do Nunca, onde encontram o Capitão Gancho e embarcam numa aventura emocionante e perigosa que irá mudar as suas vidas.
A 28 de abril, chega à plataforma Disney+ uma nova versão, a mais recente reimaginação 'live action' do estúdio: "Peter Pan & Wendy" respeita a iconografia da história de fadas original e do filme lançado há 70 anos, mas removendo ou atualizando alguns elementos mais datados, com destaque para a representação e caracterização dos Meninos Perdidos... como Wendy descobre, agora também há meninas perdidas e "não há qualquer problema nisso".
Nas personagens mais icónicas, Jude Law é agora o Capitão Gancho, Yara Shahidi (da série “Grown-ish”) é Sininho, Alexander Molony (da série "The Reluctant Landlord") assume Peter Pan e Ever Anderson surge como Wendy (é a filha da atriz Milla Jovovich e do realizador Paul W.S. Anderson, que se estreou com um pequeno papel em "Resident Evil: Capítulo Final" e foi a jovem Natasha Romanoff em "Viúva Negra", da Marvel).
Esta nova versão revela aspetos inesperados da relação entre Peter Pan e o seu arqui-inimigo e, sem surpresa, não é uma versão 'shot for shot' da animação de 1953: na realização está David Lowery, responsável por alguns dos mais estimulantes filmes dos últimos anos, como "História de Um Fantasma", "O Cavalheiro com Arma" e "A Lenda do Cavaleiro Verde", mas também de "A Lenda do Dragão" (2016), uma das mais interessantes novas versões da Disney a partir do seu património histórico (concretamente, "Meu Amigo o Dragão", de 1977).
"Inicialmente pensei, 'Ah, é o Peter Pan, conheço a história, quão difícil pode isto ser?'. Então, quando comecei a trabalhar no argumento e à medida que o desenvolvíamos ao longo de vários anos, percebi que não só havia mais para descobrir dentro dele, mas também havia muito que nunca foi realmente visto antes no ecrã, e tanto que pensamos que sabemos. Temos esta sensação de familiaridade e precisamos respeitar isso. Não podemos reinventar a roda, mas temos de dar ao público um filme em que eles estão a receber o Peter Pan e a Wendy que conhecem e adoram, mas também, apresentando [a história] sob uma nova luz. E esse foi o verdadeiro desafio, encontrar essa luz e a textura dessa luz", revelou o realizador durante uma conferência de imprensa virtual ao lado dos atores em que o SAPO Mag participou.
Lowery também recorda que "Peter Pan & Wendy" era o título original do livro de Barrie: "Esse foi o ponto de partida. Porque é Wendy que, de muitas formas, faz a ligação com o público. Ela é aquela que vai para a Terra do Nunca e nós vamos com ela. Queríamos realmente honrar e explorar essa perspetiva".
A Jude Law coube reinterpretar e reinventar o Capitão Gancho como mais do que o vilão tradicional, adicionando-lhe uma complexidade que não existiu no clássico de animação.
"Tive uma grande oportunidade através do argumento. O David deu-me a possibilidade de entendê-lo a sério e mergulhar em seu passado e, portanto, entender o que o tornou o vilão, mas o homem que ele é na história... é um ótimo lugar para poder atuar como ator. Para mim, era muito importante que ele fosse... sempre houve verdade nele. Não vale a pena interpretar apenas o vilão. Eu digo sempre que vilão não sabe que é o vilão. Ele acha que é o herói e que todos os outros à sua volta são os vilões", nota.
"Voltei ao livro e o que é notável nele é que, às vezes, ele é disperso, mas no entanto, estas frases acabam de evocar anos e anos de imaginação em todos nós. O Gancho tem apenas uns capítulos, mas a frase que usam para descrevê-lo é tão específica. Fala sobre ele ser o único pirata de quem tinha medo o Long John Silver [o pirata ficcional do livro "A Ilha do Tesouro"]. Portanto, sabia que ele tinha de ser assustador, realmente assustador, e fisicamente presente de uma forma que não era pantomima, era... honesta e real. Aí, começa-se a ver como deve ser a sua vida com um gancho e o que realmente significa isso, em quem é que se confia [...] E isso é antes de eu entrar [...] no que o deixou tão cheio de fúria e ódio em relação ao Peter. Ou seja, havia tanto com que lidar e depois tentar que não fosse demasiado arquétipo, mas ainda ser bastante divertido e assustador, mas não demasiado assustador", explicou, notando que também encontrou a "verdade" da sua personagem literalmente em "pequenos detalhes" como as suas botas e o guarda-roupa.
O ator britânico, nascido em 1972, não se recorda de ter tido qualquer relação especial com a sua personagem quando era criança, mas "tenho uma relação com ele pelo meu filho mais velho, porque quando ele tinha quatro ou cinco anos, adorava o Peter Pan, portanto interpretei o Gancho com ele à volta da casa durante anos".
"Foi esse estranho tipo de descoberta quando, de repente, se começa a interpretá-lo no filme. Acho que insisti em voltar a colocar no argumento a palavra 'bacalhau' [o insulto que Peter Pan dirige ao Capitão] porque o meu filho costumava adorar essa parte, como gritar 'És um bacalhau' [RISOS]. Portanto, foi uma espécie estranha de relação: tê-lo já interpretado, mas com um cabide e uma espada de madeira a correr à volta da sala de estar", recorda.
Novas ideias para velhas personagens
Outros desafios estavam à espera dos jovens atores, principalmente para Yara Shahidi: a de integrar perfeitamente no ecrã as suas cenas como Sininho, que foram filmadas em separado, na história e com as outras personagens, já que, como revelou, conheceu pela primeira vez os seus colegas de cena, Ever Anderson e Alexander Molony... uma hora antes da conferência de imprensa.
"Exigia tanta imaginação, o que foi realmente um desafio divertido. Foi um prazer ver os belos cenários que foram construídos e estes espaços realmente imersivos. E acho que tive sorte porque pude ver algumas das primeiras cenas enquanto estava a preparar o filme, mas estava numa linda garagem pequena em Burbank [Los Angeles] a fazer a minha parte e foi realmente interessante [...] Ter de criar uma experiência realmente imersiva para mim trouxe muito divertimento à jornada", explicou a atriz de “Grown-ish”.
Mas interpretar Sininho também significou algo mais: "Não via muita TV ao crescer, mas eram sempre os contos de fadas que os meus pais traziam para a nossa casa, portanto interpretar uma personagem tão icónica com uma história profunda é tão bonito. E foi regressar às origens, porque o meu primeiro contacto com a minha família Disney foi ser a menina pequenina que se vestia nas fantasias da Noite das Bruxas [...] algures no mundo existe uma fotografia de mim como a Sininho aos seis anos".
Para Alexander Molony, ser Peter Pan ("que as pessoas conhecem a adoram há tantos anos") passou por vivê-lo quando as câmaras não estavam a rodar, durante as brincadeiras divertidas no 'set', das partidas às lutas na água, incentivadas pelo realizador:" Foi uma experiência espantosa e acho que isso realmente ajudou a desenvolver ainda mais a minha personagem".
Ao jovem ator (e a Ever Anderson como Wendy) existiu ainda uma parte física, que começou dois meses antes da rodagem: "passar bastante tempo na mesma sala só a trabalhar na parte de voar e lutar. Isso foi ótimo, mas a quantidade de esforço que teve que entrar em cada cena... foi bastante cansativo".
Nesta versão, a Wendy é destemida e em plano de igualdade com os parceiros de cena, algo que Ever Anderson diz que existia desde o início.
"Desde que recebi o argumento pela primeira vez quando fazia os testes, existia esta nova sensação sobre a a Wendy. Ela tem este coração para a aventura e consegue-se perceber que não era fácil ser mulher na altura em que o argumento tem lugar, no início dos anos 1900. Consegue-se perceber como deve ter sido assustador para ela ter de sair e ir para a escola, preparar-se para uma vida que já estava criada para ela antes de estar realmente pronta. O que adorei na Wendy foi que, através disso, de todos esses desafios que teve de enfrentar, ela ainda era tão fiel a si mesma e continuou a sonhar e a fazer o que amava", explicou a atriz, que reconhece que a ligação e o apoio que existiu entre todos os atores também passou trazerem muito de si mesmos às suas personagens, mas também por levarem as personagens para quem eles eram quando as câmaras não estavam a rodar.
Apesar de este ser um mundo de fantasia, também foi importante que ele parecesse real.
"Isso foi algo muito importante para mim desde o início, ter o filme… não gosto de usar a palavra 'realista', porque este é um filme sobre crianças que voam, mas queria que parecesse que a Terra do Nunca era um lugar onde realmente se poderia chegar, que não era num estúdio ou que não era tudo efeitos especiais. E pensei em todas as paisagens que me atraíram quando era mais jovem. Escócia, Irlanda, acabámos por filmar na Terra Nova [Canadá], nas Ilhas Faroé, para criar a nossa Terra do Nunca, e essas paisagens são tão mágicas para mim. E elas são uma versão da Terra do Nunca que nunca vimos antes. Não é a Terra do Nunca tropical, havaiana, das gerações anteriores, este é uma versão ousada e de tirar o fôlego que sinto ser revigorante de ver no ecrã", esclarece Lowery.
Tal como aconteceu nos filmes anteriores do realizador, a música volta a ter um papel importante para contar a história de "Peter Pan & Wendy".
"O Daniel Hart faz as bandas sonoras de todos os meus filmes. E sabíamos que haveria marcos do filmes de animação original que iríamos incluir, mas não sabíamos realmente quais seriam. [...] Também queríamos introduzir novos sons, novas notas musicais para a história, e um dos meus aspetos favoritos, uma das contribuições mais bonitas que ele criou para nós foi a canção de embalar da senhora Darling. Quando escrevermos o argumento da primeira vez, apenas precisávamos que ela cantasse uma canção de embalar. E isso foi uma grande ajuda, mas depois tornou-se tão integral na personagem do Gancho. E isso originalmente não estava lá, foi algo que surgiu quanto trabalhávamos no argumento, enquanto estávamos a trabalhar na canção, a falar da personagem. Acho que foi quando estávamos a rodar é que nos apercebemos que a chave para a cena entre o Gancho e a Wendy era esta canção de embalar que o David tinha escrito. E agora acho que é uma música icónica da Disney", explica.
Outra parte central é a maternidade e as mães: "O coração emocional do filme parecia enraizar-se tão naturalmente nisso, especialmente dado que estávamos focados tanto na Wendy. E isso de certa forma tornou-se a rocha à volta da qual o núcleo emocional do filme gradualmente se desenvolveu. E envolveu não apenas a Wendy, mas também as personagens de Peter e Gancho. E é uma das razões porque acho que decidimos não honrar a tradição do [ator que representa o] Gancho ser o senhor Darling. Em última análise, isso sugeriria que os temas do filme estavam a ir numa direção diferente, mas como este estava tão focado no relacionamento com a mãe de Wendy fazia sentido desviar um pouco da tradição.
Em fim de conversa, era importante perceber o que significava a equipa de "Peter & Wendy" fazer parte no legado de um estúdio que festejar 100 anos em 1923.
"Acho que é realmente importante refletir sobre esse legado e compreendê-lo, mas estou mais entusiasmado em olhar à frente para os próximos 100 anos", respondeu Lowery.
"Essa é uma grande resposta. Mais ou menos o que eu ia dizer", elogiou Law, antes de acrescentar que "obviamente que estou muito orgulhoso por fazer parte dessa celebração, desse grande marco, mas estou particularmente orgulhoso de ser uma versão dessa história que parece respeitar o passado, mas é muito moderna, verdadeira ao que existe hoje".
Ever Anderson concordou: "É realmente bonito e muito apropriado que seja lançado no aniversário dos 100 anos. E acho tão adorável que todas as personagens estejam tão elaboradas para que se possa ver as suas histórias de fundo e se possa preparar uma nova geração para apreciar as histórias tanto quanto todos nós quando crescíamos".
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