A realizadora Dulce Fernandes considera ser importante dar a conhecer o passado português no tráfico de escravos, o que a levou a criar o filme “Contos do Esquecimento”, que vai ser exibido quarta-feira no Festival de Cinema IndieLisboa.
“Pareceu-me estranho ninguém ter dado muita atenção” à descoberta em Lagos, no Algarve, de esqueletos de homens, mulheres e crianças africanos escravizados, disse Dulce Fernandes à agência Lusa.
A falta de interesse à volta dessa descoberta foi uma das razões que levaram a realizadora a avançar com o projeto que levou ao filme “Contos do Esquecimento”.
Os arqueólogos que no inverno de 2009 escavavam, em Lagos, o local onde estava a ser construído um parque de estacionamento subterrâneo começaram a encontrar esqueletos humanos.
Foram nos meses seguintes descobertos os esqueletos de 158 homens, mulheres e crianças africanas escravizadas cujos corpos tinham sido depositados no local numa lixeira do século XV.
A grande maioria dos esqueletos serão de indivíduos do século XV, encontrados numa lixeira urbana da época fora das muralhas de Lagos, cidade que se assumiu como o primeiro posto de desembarque europeu de escravos.
Num estudo desenvolvido por investigadoras do Laboratório de Antropologia Forense da Universidade de Coimbra, foram identificadas fraturas nas mandíbulas, antebraços e crânio dos escravos que são "altamente sugestivas" dos episódios de violência e maus-tratos que estes indivíduos sofreriam.
Dos 158 esqueletos encontrados, 107 são adultos e 49 crianças (não foi possível classificar dois dos esqueletos), sendo que 52% dos escravos eram mulheres e a maioria terá morrido antes dos 30 anos, contou à Lusa, em 2016, a investigadora Teresa Ferreira.
Segundo a sinopse, o filme de Dulce Fernandes “cruza histórias de violência e brutalidade do passado com imagens e sons do presente. Evocando o que aconteceu nestes locais e revelando memórias do passado”.
Para Dulce Fernandes, também é importante falar num âmbito mais alargado da “construção de memórias” em torno do papel de Portugal no tráfico transatlântico de africanos escravizados.
Formada em Jornalismo e Fotografia, Dulce Fernandes nasceu em Angola em 1973, antes da independência deste país africano, cresceu em Faro e reside entre Nova Iorque e Lisboa.
“Como cineasta, interessa-me investigar o passado colonial da Europa (de Portugal, em particular), as construções da memória coletiva e os vestígios desse passado no presente”, afirmou a realizadora.
“Contos do Esquecimento” foi realizado em 2023, tem 63 minutos de duração e pode ser visto às 21h45 de quarta-feira na sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge, em Lisboa.
O Festival de Cinema IndieLisboa começou no dia 23 de maio com uma presença recorde de filmes portugueses a concurso, dedicando uma retrospetiva ao realizador palestiniano Kamal Aljafari e celebrando os 50 anos de democracia.
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