
Levantaram as suas vozes e tomaram conta das universidades. O vencedor do Óscar Sebastián Lelio apresentou em Cannes "La ola" ["A Onda", em tradução literal), um musical sobre os protestos feministas que abalaram o Chile em 2018.
O novo filme de Lelio, parte da Cannes Première, uma secção fora de competição, é um musical feminista que conta a história das origens de uma onda de protestos no país sul-americano contra abuso sexual, violência de género e algumas práticas retrógradas e arraigadas em faculdades e escolas.
O cineasta chileno de 51 anos acompanha Julia, uma estudante de música que, quase involuntariamente, se envolve nos protestos e acaba por tornar-se a sua líder.
Uma das primeiras cenas marca logo o ritmo do filme: as estudantes saem para o pátio e, com uma multidão coreografada, desenrolam uma faixa que diz "Nesta universidade, formam-se violadores".

Lelio, que ganhou o Óscar de Melhor Filme Internacional com "Uma Mulher Fantástica" (2017), explica que morava na Alemanha em 2018, mas estava no Chile quando o movimento eclodiu.
"Vi a marcha das mulheres com máscaras coloridas, muitas delas com os seios expostos", disse numa entrevista à France-Presse no sábado. "Achava que ela tinha uma força e uma rebeldia incríveis."
Falou-se também que era um bom tema para algo que ele vinha a pensar há muito tempo: "Um musical contemporâneo" sobre eventos atuais.
Apesar da falta de tradição na América Latina para esse género, Lelio favorece-o porque, diz, o musical apresenta inventividade, recriação, expressionismo.
É "uma grande oportunidade para continuar a escapar da âncora do realismo (...) que também tem as suas limitações".
Mas, como indicado no início da história, o filme é vagamente inspirado em algumas cenas universitárias da época.
O realizador não esquece todo o trabalho de investigação que foi feito com pessoas que viveram a vaga e para juntar depoimentos.
"Foi extremamente importante basear tudo em experiências da vida real e depois despejar a partir daí", explica. "Desse trabalho emergiu não tanto a estrutura do filme, mas a sua substância."

A parte musical e coreográfica foi muito complexa, nota o realizador, sobretudo pela engranagem entre todos os departamentos, da escrita às músicas e a melodia.
Alguns dos números musicais inevitavelmente lembram Las Tesis, o coletivo feminista chileno que viralizou em 2019 com a sua interpretação de "Un violador en tu camino".
"Por causa da envergadura do projeto, foi a coisa mais trabalhosa que já tive que fazer", admite Lelio, que rodou vários filmes nos EUA, como "Desobediência" (2017), com Rachel Weisz, e "Gloria Bell" (2018), uma nova versão do seu próprio filme com Julianne Moore.
Para encontrar as atrizes, foi necessário fazer audições em massa nas escolas de teatro.
De lá vieram Julia (Daniela López) e as intérpretes das outras estudantes que se juntaram à revolta com capuzes vermelhos, slogans feministas e coreografias combativas.
Embora estas atrizes tivessem pouca experiência em cinema, tinham uma grande capacidade de adaptação e rápida aprendizagem.
"Esta geração tem uma coisa muito espontânea com a dança, por causa do TikTok... Há uma qualidade muito mais natural do que na geração mais velha", diz Lelio.
E acima de tudo, esteve nos protestos e viveu aqueles meses de mobilizações.
Lelio, cuja filmografia é quase inteiramente composta por histórias sobre mulheres fortes, sabe que "La ola" está a ser lançado num momento em que, em alguns países, os direitos das mulheres estão a ser revertidos.
"O pêndulo está a voltar e a vingança contra o progresso das mulheres está exposta e perante elas", assegura. "Mas o pêndulo oscila para frente e para trás, e as ondas recuam e regressam".
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