“Emilia Pérez” e “Transmitzvah”, com as suas atrizes trans espanholas Karla Sofía Gascón e Penélope Guerrero, são dois dos filmes que trouxeram a transgeneridade para o Festival de Cannes, em mais um passo rumo à "normalização" do tema.

No filme de Jacques Audiard, ambientado no México, um poderoso mafioso decide mudar de sexo e de vida.

Karla Sofía Gascón, 52, interpreta o criminoso e a mulher em que se tornou.

“Tem sido um caminho muito difícil, muito complicado”, diz à France-Presse a intérprete, que realizou a sua transição tardiamente, aos 46 anos, com o apoio da esposa e da filha.

O realizador francês de 72 anos, conhecido por “O Profeta” ou “Dheepan” (Palma de Ouro em 2015), mergulha neste tema com delicadeza.

“É surpreendente ver este tema abordado por cineastas aclamados, muitas vezes ‘cis’ [cisgéneros, pessoas que se identificam com o género atribuído no nascimento], fora da esfera LGBTQ”, diz Franck Finance-Madureira, presidente da Queer Palm em Cannes, dedicada a esta comunidade.

“Mas tem sido 'O' tema emergente do combate LGBTQ há uma década e já era altura de haver personagens trans protagonistas em filmes, como em ‘Emilia Pérez'”, acrescenta.

“A normalização das personagens homossexuais e lésbicas demorou 30 anos, mas com as personagens trans será muito mais rápida. O cinema tem mais capacidade de medir rapidamente o pulso da sociedade”, afirma.

"Reducionismo"

"Transmitzvah"

Em Cannes, o assunto é abordado em vários filmes, alguns em competição, como "Emilia Pérez", e outros em secções paralelas, como "Transmitzvah", do argentino Daniel Burman, em que Rubén, filho de família judia, quer celebrar o evento que marca a passagem para a idade adulta, o Bar Mitzvah, na sua versão feminina, o Bat Mitzvah.

Para Burman, é altura de virar a página.

“É preciso dar visibilidade a estas situação, mas não encapsulá-las", afirma.

O cineasta garante que há “uma aposta excessiva na identidade de género como único pilar da identidade” e, por vezes, há até um “reducionismo”.

Neste sentido, o facto de o festival incluir vários filmes com esta temática é um gesto forte. Embora a maioria dos atores trans interpretem personagens LGBTQIAPN+, alguns recusam-se a continuar aceitando papéis que os limitem a este tema.

Hunter Schafer, atriz conhecida por “Euphoria” e que faz parte do elenco de “Histórias de Bondade”, que concorre à Palma de Ouro, declarou em abril que não aceitaria mais papéis queer ou relacionados com a sua transição.