Jerry Lewis, uma das maiores lendas da comédia americana no cinema, na televisão e na rádio, morreu na manhã deste domingo aos 91 anos, em Las Vegas, de causas naturais. A notícia foi confirmada pelo seu agente.
Foi um dos ícones maiores do humor no cinema, na rádio, na televisão e nos palcos, com uma popularidade extraordinária cujo pico se deu nos anos anos 50 e 60, e que se também se notabilizou pela luta contra a distrofia muscular, à frente de maratonas televisivas de angariação de fundos que, ao longo de mais de 40 anos, conseguiram angariar mais de dois mil milhões dólares.
Outrora muito popular, o seu humor muito físico foi ficando fora de moda nos EUA, a que não ajudou a percepção que se criou de que os tipos inocentes e pouco inteligentes que muitas vezes interpretava serviam para gozar com os deficientes.
Na Europa, pelo contrário, o seu humor inteligente foi crescendo em prestígio, principalmente em França, onde foi desde logo defendido pelos principais críticos da "Nouvelle Vague", chegando a receber a Legião de Honra em 1983.
Nascido em 1926 no seio de uma família de artistas (a mãe era pianista numa estação de rádio e o pai trabalhava em espetáculos de "vaudeville"), Lewis começou a carreira artística logo aos cinco anos, e nunca mais deixou os palcos.
Aos 19 anos, num clube de Nova Iorque, travou conhecimento com um colega que se revelaria fulcral na sua vida: Dean Martin. Juntos passaram de anónimos a celebridades, tornando-se a dupla de humoristas de maior sucesso nos EUA na viragem para os anos 50, com Martin no papel do cantor sério e romântico de voz de veludo e Lewis como a figura elétrica e desvairada que se encarregava de destruir tudo em seu redor.
A popularidade nos palcos estendeu-se à radio e aos primórdios da televisão, chegando ao cinema em 1949, com "A Minha Amiga Irma". Até 1956, com "Um Espada para Hollywood", a dupla protagonizou 16 filmes de imenso sucesso, quase sempre com a mesma fórmula, simples mas eficaz. A popularidade foi tal que a dupla até teve direito a protagonizar uma revista de BD, mas a subalternização crescente de Martin face às gargalhadas que gerava Lewis acabou por levar ao fim da parceria. A cisão não terá sido amigável e fez correr rios de tinta ao longo das décadas, e só em 1976 os dois se terão reconciliado, pela mão do amigo comum Frank Sinatra.
Nos anos que se seguiram, a carreira de ambos a solo foi um sucesso fulgurante em todas as vertentes (cinema, palcos, televisão, rádio e discos), com Lewis a prosseguir de imediato com o seu primeiro filme a solo, "O Delinquente Delicado" (1957), a que se seguiram outros sucessos como "O Herói de Regimento" (1957) e "Capitão sem Barco" (1959).
Fundamental foi a parceria que então fez com Frank Tashlin, que já o tinha dirigido com Martin em "Artistas e Modelos" e "Um Espada para Hollywood" e que era um dos mais notáveis realizadores de animação da Warner Bros. Tashlin soube injetar nos filmes com Lewis todo o "slapstick" desvairado dos "cartoons" em obras de grande sucesso, que, quase todas, se tornaram clássicas: "Jerry Ama-Seca" (1958), "Jerry no Japão" (1958), "Cinderelo dos Pés Grandes" (1960), "Dinheiro e Só Dinheiro" (1962), "Um Namorado com Sorte" (1962) e "Jerry, Enfermeiro sem Diploma" (1964).
O passo seguinte foi decisivo: Jerry Lewis tornou-se realizador e argumentista dos seus próprios filmes, com um controlo artístico total, cujos resultados foram impressionantes não só em termos de adesão de público mas também da crítica, nomeadamente a europeia, com os críticos da muito influente revista "Cahiers do Cinema" a classificarem-no de "génio".
Com um orçamento minúsculo e quase sem diálogos, "Jerry no Grande Hotel" (1960) foi uma aposta de risco para Lewis, que o financiou sozinho quando a Paramount não quis arriscar num filme quase mudo, e foi um sucesso. Os anos seguintes são os mais notáveis da sua carreira no cinema, com clássico atrás de clássico: além dos dirigidos por Tashlin na mesma época, Lewis realizou e protagonizou "O Homem das Mulheres" (1961), "O Mandarete" (1961), "As Noites Loucas do Dr. Jerryll" (1963, o seu filme mais mítico, que, com o título original de "The Nutty Professor", daria origem ao "remake" com Eddie Murphy), "Jerry 8 3/4" (1964) e "Jerry e os Seis Tios" (1965), em que interpreta sete personagens. Nesse período, Lewis inovou ao usar câmaras de vídeo e monitores em circuito fechado no set, que lhe permitiam verificar instantaneamente a sua interpretação, logo durante a rodagem da cena ou imediatamente a seguir, algo absolutamente revolucionário à época.
Veja o trailer de "As Noites Loucas do Dr. Jerryll":
Na mesma altura, Lewis começou a protagonizar o programa televisivo de variedades "The Jerry Lewis Show", também de enorme êxito, mas a meados dos anos 60, transitou da Paramount para a Columbia e a qualidade e sucesso popular dos filmes que protagonizou, e por vezes realizou, começou a ser mais variável. Destacam-se neste período "Uma Poltrona para Três" (1966), "O Charlatão" (1967), "Jerry em Londres" (1969, filmado parcialmente em Portugal), "Jerry, Pescador de Águas Turvas" (1969, em que o artista também se deslocou ao nosso país para rodar) e "Onde Fica a Guerra?" (1970), além de "O Morto Era o Outro" (1970), que realiza mas em que só tem uma prestação vocal, cedendo o protagonismo a Sammy Davis Jr.
Em 1972, Lewis realizou e protagonizou "The Day the Clown Cried", sobre um palhaço num campo de concentração nazi. O filme, que alguns disseram que seria uma tentativa de Jerry conquistar o respeito artístico que lhe negavam os seus pares (e a Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood), tornou-se lendário uma vez que, depois de concluído, nunca foi exibido publicamente. O realizador disse mais tarde à "Entertainment Weekly" que "era tudo mau e era mau porque eu perdi a magia. Você nunca verá o filme. Ninguém verá o filme porque tenho vergonha por aquele mau trabalho".
A partir daí, apesar de continuar sempre muito ativo profissionalmente, não voltou a ter o mesmo nível de sucesso no cinema, a que só regressou em 1980 com "Vai Trabalhar, Malandro!" (1981), que seria lançado na Europa e na América do Sul, antes dos EUA, onde o filme foi muito criticado e onde a sua estrela já há muito se desvanecera.
Quem o recuperou dois anos depois foi Martin Scorsese, que lhe deu o papel principal do notável "O Rei da Comédia", ao lado de Robert De Niro, em que surpreendeu com um papel dramático ao arrepio do que até então tinha sido a sua imagem de marca, como um humorista angustiado raptado por um fã demente.
A partir daí, foi tendo papéis espaçados no cinema e na televisão, de dimensão e relevância diversa, em que se destaca "Jerry, Tu és Louco" (1983), uma derradeira e infeliz tentativa de realização e protagonismo, "Arizona Dream" (1993), um sólido papel secundário ao lado de Johnny Deep e às ordens de Emir Kusturica, e "Max Rose", já em 2013, no papel principal de um pianista de jazz que descobre que a mulher com quem viveu 65 anos lhe foi infiel.
Mas se a atividade no cinema foi esmorecendo, a atividade humanitária foi uma constante até ao fim da vida de Lewis, que desde o início dos anos 50 e até ao fim da sua vida foi uma figura extraordinariamente ativa na luta contra a distrofia muscular e nas campanhas de angariação de fundos para pesquisa da doença. Através das maratonas televisivas que ele apresentou durante mais de cinco décadas, foram angariados para essa causa mais de 2,6 mil milhões de dólares.
Em 2009, a Academia reconheceu finalmente Jerry Lewis, não especificamente pelo seu talento mas pelos seus atos humanitários, concedendo-lhe um Óscar honorário, o Jean Hearsholt Humanitarian Award.
Hollywood reage à morte de Jerry Lewis
Depois do anúncio da morte de Jerry Lewis, várias caras conhecidas de Hollywood prestaram o seu tributo nas redes sociais.
A atriz Jamie Lee Curtis, filha de Tony Curtis e Janet Leigh, recordou no Twitter os filmes que Jerry Lewis fez com a sua mãe e os filmes caseiros que fez com Curtis e Leigh.
Whoopi Goldberg lembrou os milhões que o adoraram em todo o mundo e os milhões de crianças que ele ajudou com o seu trabalho humanitário.
O ator Dane Cook disse no Twitter que "o mundo perdeu um verdadeiro inovador e um ícone".
Os atores Patton Oswalt e Josh Gad também assinalaram a morte do ator. Gad recordou Lewis como "um dos melhores de sempre. Uma lenda. Um homem do espetáculo. Um ícone da comédia. Uma estrela de cinema. Um ativista. Único".
"Obrigada pelas gargalhadas", partilhou o ator de "Star Trek" George Takei. Também William Shatner se despediu de Lewis dizendo que "o mundo está um pouco menos engraçado hoje".
O ator Sean Hayes lembrou com uma fotografia o seu "herói da comédia".
Joan Collins recordou o "talento enorme e o bom amigo".
O ator e comediante Rob Schneider chamou a Jerry Lewis e Dean Martin os "Beatles da comédia".
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