Com uma grande interpretação do francês
Michel Piccoli, de 85 anos, que retrata as angústias e a fragilidade de um homem perante um cargo para o qual não se sente preparado, o filme aborda um dos poucos mundos secretos que resistem no planeta: o Vaticano.

O cineasta, que recriou para a longa-metragem os belos e pomposos salões do Vaticano, os pátios e corredores, a indumentária, e até mesmo os uniformes dos guardas suíços, afasta-se neste trabalho de alguns traços que sempre marcaram a sua obra, como o sarcasmo e a ironia.

Nanni Moretti, que interpreta um psicanalista, chamado em segredo para ajudar o novo pontífice, opta por tratar com humor leve e com ternura, até mesmo respeito, os cardeais reunidos no conclave e a crise de pânico que rodeia o novo Papa após sua eleição.

Numa conferência de imprensa em Cannes, o realizador, actor, produtor e argumentista italiano de 57 anos afirmou que para fazer
«Habemus Papam», que começa com imagens reais do funeral de João Paulo II na praça de São Pedro, se quis se afastar da actualidade e dos escândalos que afectam o Vaticano e a Igreja Católica.

«Não queria repetir coisas já ditas, nem falar de coisas que são conhecidas, como o escândalo de pedofilia ou os escândalos financeiros, que já foram revelados de maneira forte na imprensa», disse Moretti.

«Queria contar a fragilidade de um homem que não se sente capaz de assumir o poder que lhe foi concedido», disse o cineasta, que rodou grande parte do filme nos magníficos salões da embaixada francesa, Palazzo Farnese, e reproduziu uma espectacular Capela Sistina nos estúdios de Cinecittá, em Roma.

A interpretação de Piccoli, que reflecte no seu rosto o medo paralisante que o invade após a eleição, foi apontada como digna do prémio em Cannes por alguns críticos, após a exibição para a imprensa. Muitos lembraram ainda a idade e trajectória do grande actor francês.

Piccoli, que já actuou em quase 200 filmes, deu a entender que este pode ter sido seu último trabalho.

«Para ser honesto, poderia dizer basta: acabar aqui, com Moretti, é perfeito, é suficiente», declarou Piccoli, muito elogiado pelo realizador italiano.

«Piccoli foi ainda melhor do que eu esperava. Especialmente quando o filme terminou, dei-me conta de seus silêncios, olhares, sua maneira de caminhar e de tudo o que deu ao personagem, e sobretudo ao filme», disse Moretti.

Nenhum filme exibido até o momento foi considerado pela crítica digno da Palma de Ouro do 64º Festival de Cannes.

A mostra competitiva começou na quinta-feira com dois filmes dirigidos por mulheres:
«Sleeping Beauty», primeiro trabalho da australiana
Julia Leigh, e
«We need to talk about Kevin», da britânica
Lynne Ramsay.

SAPO/AFP