A caminho dos
Óscares 2023
A norte-americana Laura Poitras é uma documentarista vencedora do Óscar que recebeu o papel de má consciência do seu país. Ela renova este título e garante mais uma nomeação à estatueta dourada com "Toda a Beleza e a Carnificina, contando a crise dos opióides.
Ao passar por Paris durante a divulgação da sua obra, esta cineasta de 59 anos explicou à AFP que acredita ser "importante documentar histórias de combates".
"Às vezes, no ecrã, pode comunicar-se algo que seria impossível de outra forma", aborda a autora da obra "Citizenfour" (2014), o filme sobre o ex-analista Edward Snowden.
Poitras foi a primeira a ter acesso às confidências de Snowden após a revelação dos documentos secretos da poderosa Agência Nacional de Inteligência (NSA).
No ano seguinte, o filme rendeu um Óscar de Melhor Documentário.
Em "Risk" (2017), dois anos depois, a realizadora desenhou um retrato não autorizado de outra figura polémica: Julian Assange, editor da Wikileaks.
Já com "Toda a Beleza e a Carnificina", vencedor de um Leão de Ouro no Festival de Veneza e que estreia nos cinemas portugueses a 30 de março, ela abordou a pandemia de mortes por opióides nos EUA. Paralelamente, Poitras mostrou a luta de uma das maiores fotógrafas contemporâneas, Nan Goldin, contra as empresas farmacêuticas.
A obra "tem algo em comum com os meus trabalhos anteriores: uma pessoa ou um pequeno grupo que combate forças muito poderosas nos EUA", explica.
O governo "sabia" sobre o perigo representado por essas drogas, que causaram meio milhão de mortes até agora.
A cineasta reivindica um trabalho "de colaboração, maior do que um relacionamento" superficial com os seus protagonistas.
"Provocador"
"Tenho uma grande responsabilidade", afirma.
"Com Edward Snowden, literalmente tinha a sua vida entre as minhas mãos. O menor erro poderia acabar na prisão ou até algo pior", garante a documentarista.
Após uma longa viagem por diversos países, Snowden vive na Rússia e o presidente Vladimir Putin concedeu-lhe nacionalidade russa no ano passado.
Poitras confirma que esta época "foi a mais aterrorizante" da sua carreira.
"Não sabia se poderia voltar para os EUA. Nesse sentido, ser reconhecida como jornalista e cineasta claramente protegeu-me", admitiu.
O empenho desta cineasta veio do trauma causado pelo 11 de setembro de 2001 e a "guerra ao terrorismo", que desencadeou os ataques da Al-Qaeda.
Para esta natural de Boston, "a dominação mundial, a ocupação, a tortura, os campos (de prisão), tudo isso foi repugnante e acho que foi naquele momento que senti que tinha que dar uma resposta para isto, ao sofrimento que o meu governo infligiu em todo o mundo".
Os "EUA conseguiram radicalizar novas gerações que agora nos odeiam. É um desastre absoluto, não poderia ser pior", garantiu.
Premiada com um Pulitzer, Poitras continua a acreditar no poder da imprensa: "o bom jornalismo é sempre provocador. O mau jornalismo é curvar-se para se aproximar dos poderosos".
O esforço dos EUA para obter a extradição de Julian Assange, preso desde 2019 no Reino Unido, oferece "uma imagem muito sombria" para o futuro do jornalismo.
"A Europa deveria aumentar a pressão ou conceder-lhe asilo", defendeu.
Laura Poitras explica que foi colocada sob vigilância após o seu primeiro documentário e interrogada durante anos em aeroportos dos EUA: "Coloquei o meu dedo nisso, mas estou feliz por tê-lo feito".
Ao ser questionada se ainda está no radar dos serviços secretos do governo Joe Biden, ela sorri e responde: "Essa é uma questão para o governo".
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