Sobreviverá a carreira de Johnny Depp ao escândalo do divórcio com Amber Heard? É esta a questão que, por esta altura, toda a gente faz em Hollywood e fora dela.
A questão torna-se mais interessante por Depp ter sido considerado, há poucos anos, o maior e mais prestigiado ator de cinema do planeta. Até que ponto é que a carreira de uma mega-estrela pode ser destruída por um escândalo pessoal? Se tivermos em conta o longo historial de Hollywood neste capítulo, as cartas jogam-se a favor do ator.
Quando se procuram antecedentes na meca do cinema para consequências deste tipo de escândalos, convém sempre ter em conta que cada caso tem contornos muito diferentes, e o que deles resulta tem tanto a ver com o caso em si como com a época em que ele se passou e a reacção da estrela ao sucedido.
No caso de Depp, nesta fase da corrida, importa saber que ele está acusado de violência doméstica pela mulher, Amber Heard, também ela atriz e popular (embora em grau bastante menor), que ela defende ter sido abusada verbal e fisicamente ao longo dos 15 meses de matrimónio, que conseguiu uma ordem de restrição contra ele até 17 de junho e que lhe exige uma compensação financeira milionária pelo que aconteceu.
Depp nega tudo e a seu favor estão algumas hesitações da lei quanto à veracidade das acusações, uma avalanche de testemunhos abonatórios e elogiosos quanto ao seu carácter e comportamento a chegar à praça pública (incluindo de ex-namoradas e da ex-mulher Vanessa Paradis) e a própria má imagem que Heard gerou ao pedir-lhe o divórcio três dias depois da morte da mãe. Portanto, nesta altura dos acontecimentos, Depp ainda está inocente, tanto aos olhos da lei como da maioria do público. Mas claro que ainda há aqui caminho para percorrer. A questão só se tornará grave para o ator se se provar que ele é realmente culpado e se ele se chegar à frente a assumir essa culpa. E mesmo assim nada indica que a carreira dele sofra um abalo definitivo em consequência disso.
Mais grave, por esta altura, é a sua performance nas bilheteiras, principalmente tendo em conta que ele é um dos atores mais caros do mundo.
Os rotundos flops sucessivos de filmes tão caros como “O Mascarilha”, “Transcendence – A Nova Inteligência” e “O Excêntrico Mortdecai”, a que se soma agora “Alice do Outro Lado do Espelho”, são razão suficientes para a estrela ver terminar os seus salários de 20 milhões de dólares por filme.
Quanto a esta última película, há quem ache que o facto do caso de divórcio ter estourado na semana de estreia lhe terá prejudicado seriamente a performance, mas isso seria arranjar desculpas para uma obra que, desde o primeiro momento, não parece ter agradado nem à imprensa nem ao público, que também não a parecia aguardar com particular expectativa. Há até quem sugira que a colagem do fracasso do filme ao caso pode ter sido benéfica para o estúdio, que assim se livra de responsabilidades pelo projeto e que tem desculpa para baixar significativamente o salário do ator nos próximos filmes.
Resumindo, se há problema que, por esta data, possa afectar a carreira de Depp, é mais a baixa performance dos últimos “blockbusters” em que se meteu do que a acusação de violência doméstica. Mas neste caso, a procissão ainda vai no adro e o caso pode mudar de figura.
Hollywood e escândalos: Uma história com muitas décadas
Hollywood tem um longo historial com este tipo de questões. Um dos casos mais míticos e fundadores é o de Roscoe “Fatty” Arbuckle, uma gigantesca estrela do cinema mudo cuja carreira se finou quando foi acusado de violar e acidentalmente matar uma pretendente a atriz chamada Virginia Rappe durante uma festa. O caso foi arrastado pelos jornais, a reputação de Arbuckle ficou na lama, e no fim… ele foi absolvido e mesmo assim a carreira dele desvaneceu-se do dia para a noite. Hoje em dia, apesar da imensa popularidade que outrora teve, ele é quase só recordado por este caso, em que os estudiosos são unânimes em confirmar a inocência do ator.
Na época dos grandes estúdios, entre os anos 20 e 50, este tipo de escândalos era evitado a todo o custo. Se uma estrela fosse apanhada em comportamentos indecorosos, um responsável do estúdio rapidamente se encarregaria de resolver a situação com as autoridades, apagar todos os vestígios e desviar as atenções dos periódicos de mexericos. Assim, casos de infidelidades conjugais, divórcios, homossexualidade ou alcoolismo eram convenientemente eliminados da praça pública, como a personagem de Josh Brolin no recente “Salve, César!” tão bem recorda.
Nesse período, um dos maiores escândalos deu-se precisamente quando uma das grandes estrelas de Hollywood abandonou a cidade e o controlo do sistema: Ingrid Bergman teve um romance com o realizador Roberto Rossellini quando ambos trabalhavam juntos num filme em Itália. Detalhe: eram ambos casados e a atriz engravidou. Só uma semana depois do nascimento do filho é que a atriz se divorciou e casou com o cineasta.
Todo o processo foi escandaloso para a época e foi seguido a par e passo pelo mundo inteiro, com o próprio Vaticano a criticar duramente a intérprete. Todas as portas de Hollywood se pareciam ter fechado para atriz que teria ainda mais duas gémeas do realizador (uma delas Isabella Rossellini) até ao divórcio seis anos depois.
Mas a ressurreição afinal foi possível e deu-se de forma gloriosa, como protagonista do filme “Anastasia”, que lhe valeu o Óscar de Melhor Atriz com aplausos de pé. Não sem antes o popularíssimo apresentador Ed Sullivan ter pedido à sua audiência que lhe respondesse por escrito se deveria convidar a atriz para o seu “Ed Sullivan Show”, sublinhando se “sete anos e meio de penitência” seriam suficientes para expiar os seus pecados. Não por acaso, a própria Bergman diria que “fui de santa a prostituta e novamente a santa, tudo numa única vida”.
Ou seja, mesmo na década de 50 se percebia que Hollywood era rápida a banir e criticar mas também adorava uma ressurreição, desde que o público seguisse pelo mesmo diapasão. Tudo depende, claro, do grau de gravidade do delito, da forma como a sociedade do seu tempo o viu e da via sacra entretanto atravessada por quem o cometeu.
Por exemplo, um dos escândalos mais mediáticos dos anos 80 tornou-se trivial e até intencional 20 anos depois: as gravações de uma cassete de vídeo do ator Rob Lowe com duas jovens, uma delas de 16 anos, embora com idade legal para não ser considerado violação no estado da Georgia, onde tudo aconteceu. Foi a primeira “celebrity sex tape” e colocou um travão na carreira de Lowe, que levaria bastante tempo até voltar a entrar nos eixos. Duas décadas depois, Paris Hilton e Kim Kardashian deveriam a sua popularidade internacional às “sex tapes” que protagonizaram, cuja divulgação muitos defendem ter sido absolutamente calculada. Em 2014, Lowe até se deu ao luxo de participar um filme chamado “Sex Tape” e não se coibiu de falar à imprensa do que lhe sucedeu há 30 anos.
Hugh Grant, Robert Downey Jr. e a gestão de danos
A forma como as estrelas se comportam quando o escândalo acontece é, hoje em dia, fundamental para as consequências que se seguem. Um dos casos mais notórios é o de Hugh Grant que, em 1995, no auge da fama como ator de comédias românticas criada com “Quatro Casamentos e Um Funeral”, foi apanhado em pleno ato com uma prostituta (que por essa altura se tornou também uma celebridade). O ator confessou tudo e a seguir pediu desculpa, provando que os britânicos não perdem a compostura nem quando são apanhados com as calças (literalmente) na mão.
A duas semanas de estrear o filme “Nove Meses”, Grant não desmarcou as várias entrevistas em “talk shows” que tinha agendadas, incluído ao “Tonight Show”, com Jay Leno, onde assumiu que tinha errado e pôs fim à questão. A carreira continuou como se nada fosse, com sucessos como “Notting Hill” e “O Amor Acontece” ainda no futuro.
A dimensão do escândalo e o público-alvo das estrelas envolvidas também é importante nos passos que se seguem. Em 1991, Paul Reubens era um dos rostos mais populares da América como protagonista da série infantil “The Pee-wee Herman Show” quando foi apanhado em “atos indecorosos” num cinema de filmes pornográficos na Florida.
A carreira dele paralisou automaticamente e limitou-se a trabalhos com pouca visibilidade durante 25 anos, até Judd Apatow, enquanto produtor, e a Netflix lhe terem oportunidade de regressar à sua personagem na longa-metragem “Pee-wee’s Big Holiday”, que arrancou nos EUA em março de 2016.
O tipo de escândalo e o sofrimento causado às pessoas em redor são cada vez mais de importância capital na erradicação e ressurreição de uma estrela. Quando o que está em causa é a auto-destruição de um indivíduo, geralmente Hollywood tende a ser complacente: o caso mais notório é de Robert Downey Jr., cujo consumo desenfreado de drogas e as estadas consecutivas na prisão não evitaram que, quando a recuperação se tornou evidente e os estúdios voltaram a confiar nele, o ator se tenha tornado a maior estrela de cinema do planeta. Neste caso, mesmo nos piores momentos, nunca ninguém pôs em causa o imenso talento do intérprete, que voltou a brilhar quando a vida pessoal entrou nos eixos.
Os sucessivos problemas do desregrado Charlie Sheen também não têm tido consequências de maior na sua carreira: mesmo quando as diatribes contra os produtores da série “Dois Homens e Meio” levaram ao seu despedimento em 2011, a estrela contra-atacou com uma nova série televisiva, “Anger Management”, cujo primeiro episódio bateu todos os recordes de audiência para a estreia de uma sitcom nos canais de cabo.
Tudo pode continuar a funcionar se Sheen mantiver a aura de figura de culto e não passar dos episódios de toxicodependência galopante, mau comportamento e tiradas lunáticas: porém, se o pior acontecer e alguma das (alegadamente) mais de 200 mulheres com as quais Sheen terá tido relações sexuais após ter descoberto que era seropositivo estiver infectada, o pior poderá mesmo acontecer.
É que quando o escândalo afeta outras pessoas, Hollywood e a comunidade em geral não perdoam: é praticamente impossível que Bill Cosby recupere a imagem lendária que tinha antes do que sucedeu nos últimos meses, em que mais de 50 mulheres vieram a público revelar que o humorista as tinha violado, num caso tão escandaloso que, mesmo sem o tribunal ter tido ainda uma palavra final sobre o tema, até quem defendia o ator no início (como Whoopy Goldberg) já teve de vir dar o braço a torcer de tal forma eram evidentes e gravosas as acusações que sobre ele se abatiam.
Escândalo doméstico ou público: A diferença importa
Se o escândalo for de contexto doméstico, desde que o visado faça a via sacra das desculpas públicas, o regresso é possível: Arnold Schwarzenegger ficou acabado para a política mas continuou a carreira no cinema depois das suas infidelidades conjugais e da revelação de que teve um filho durante o casamento com Maria Shriver de uma das domésticas da casa do casal, e se não voltou a ter o mesmo sucesso no grande ecrã foi mais pela fraca qualidade dos filmes em que se envolveu que pela rejeição popular.
Mesmo as estadias na prisão por condução alcoolizada (Kiefer Sutherland) ou evasão fiscal (Wesley Snipes) podem ser rapidamente esquecidas, até porque o cumprimento de pena ajuda a passar um pano sobre o assunto.
Mesmo assim, continua a haver pecados capitais na industria, e Mel Gibson já incorreu nalguns deles, principalmente numa era em que o politicamente correto por vezes prevalece sobre o bom senso: em 2006, em estado de embriaguez, o ator disse impropérios anti-semitas e sexistas, e em 2010, veio a publico a gravação de uma conversa telefónica em que lança ameaças violentíssimas à mulher.
O ator, que tem um historial de bipolaridade e alcoolismo que tem continuamente tentado combater, já se deu por culpado aos olhos da lei e pediu desculpa publicamente nas várias oportunidades, mas a desculpa generalizada tarda em chegar. O intérprete que outrora foi o mais célebre e rentável do mundo, que mesmo no olho do furacão continuou a provar o seu imenso talento de ator em filmes como “O Castor”, ainda continua à espera do “comeback” e de uma oportunidade da indústria, mesmo com alguns amigos prontos a dar a mão: Robert Downey Jr, que Gibson ajudou quando este esteve na mó de baixo pelos problemas com drogas e ele era a maior estrela do mundo, fez o mesmo pelo amigo quando os papéis se inverteram.
E o que acontecerá afinal com Johnny Depp?
No atual estado dos acontecimentos, há algumas certezas: por um lado, Depp ainda não foi considerado culpado e clama pela sua inocência; por outro, é um ator de enorme talento, e esse brilho, tal como sucedeu com Robert Downey Jr, virá sempre ao de cima nos projetos em que se ele se envolva no futuro. A não ser que as acusações subam muito de tom e sejam efetivamente comprovadas, Depp terá mais a temer pelos contínuos flops de bilheteira que tem sofrido que por este caso com Amber Heard, que ainda por cima está a ver virar-se contra si uma parcela significativa da opinião pública, tanto pelo apoio dos amigos de Depp, como pelo facto de ter pedido o divórcio poucos dias depois da morte da mãe do ator, como pela pensão desproporcionada que pede, típica dos casos de “golddiggers” de Hollywood.
Nesta altura, Heard só sai por cima caso prove efetivamente que foi uma vítima dos abusos de Depp. Caso não o consiga fazer, o ator não deverá sofrer danos de maior, até porque em maio de 2017 tem um sucesso seguríssimo nas mãos: o quinto filme da saga “Piratas das Caraíbas”, atualmente em fase de pós-produção.
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