Excertos do diário que o ator Alan Rickman (1946-2016) manteve ao longo dos anos publicados este fim de semana pelo jornal inglês The Guardian oferecem um vislumbre da sua jornada ao longo de uma década como o professor Severus Snape na saga "Harry Potter".
Em "Madly, Deeply: The Diaries of Alan Rickman", que será editado em outubro na Inglaterra, descobre-se que o ator tentou desistir várias vezes, nomeadamente logo a seguir ao segundo filme em 2002, "Harry Potter e a Câmara dos Segredos" (“Reiterando não mais HP. Eles não querem ouvir isso”) ou depois de se sentir "tão desanimado" durante a rodagem de "Harry Potter e o Cálice de Fogo" (2005).
Mesmo antes de começar a rodagem do primeiro filme, "Harry Potter e a Pedra Filosofal" (2001), escreveu a 24 de agosto de 2000, apenas um dia depois de aceitar o papel: "Ao pé da piscina e a sentir um pouco nada sobre HP, o que realmente me incomoda".
O momento decisivo para seguir até ao fim terá sido antes da produção do quinto filme, "Harry Potter e a Ordem da Fénix" (2007), quando foi diagnosticado com uma forma agressiva de cancro da próstata em 2005.
Submetido a tratamentos antes dos médicos decidirem remover completamente a próstata, escreveu semanas depois da operação num hospital em Nashville, nos EUA, a 30 de janeiro de 2006: "Finalmente, sim ao 'HP 5'. A sensação não é nem para cima nem para baixo. O argumento que vence é aquele que diz 'Vai até ao fim. É a tua história".
A frase reflete que, desde muito cedo, Alan Rickman soube alguns pormenores do passado de Severus Snape que só seriam revelados mais à frente nos livros: a conversa com a escritora J.K. Rowling foi a 7 de outubro de 2000 ("Falar com ela é falar com alguém que vive essas histórias, não as inventa").
A 27 de julho de 2007, escreveu: "Acabei de ler o último livro 'Harry Potter'. Snape morre heroicamente, Potter descreve-o aos seus filhos como um dos homens mais corajosos que já conheceu e chama ao seu filho Albus Severus. Este foi um verdadeiro rito de passagem. Uma pequena informação de Jo Rowling sete anos atrás – Snape amava Lily [a mãe de Harry Potter] – deu-me uma borda do precipício a que me agarrar".
Nos excertos divulgados, percebe-se que esteve várias vezes prestes a cair nesse precipício nos primeiros anos por causa da pressão exercida na produção dos filmes, que entendia deixar pouco espaço para a criatividade.
É reveladora a passagem do diário a 14 de janeiro de 2010, quase no fim da rodagem de "Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 1 e 2": "É difícil recordar-me de cenas específicas ao longo dos anos, principalmente porque todas as decisões são tomadas nas salas do comité e não no local [da rodagem]. Ouvimos enquanto DY [o realizador David Yates] nos diz o que estamos a pensar e qual a razão (e em alguns casos reconta a história...) e um pequeno pedaço de algo criativo cede à pressão".
A razão para estar "tão desanimado" durante a rodagem de "Harry Potter e o Cálice de Fogo" é por reconhecer que o realizador Mike Newell está "pressionado (tal como o Alfonso) e é tudo sobre o plano. Apenas falamos sobre a cena por volta da tomada quatro. 'Plus ça change' [Quando mais muda, mais fica na mesma]".
O "Alfonso" é Alfonso Cuarón, realizador do terceiro filme, "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban", vários anos antes de ganhar quatro Óscares, de quem escreve a 30 de julho de 2003: "O Alfonso zangou-se discretamente comigo. Adoro-o demasiado para deixar durar tempo a mais, portanto retiro-me do 'set' e resolvemos isso. Ele está sobre a pressão habitual HP e até ele começa a ensaiar as câmaras antes dos atores, e estas crianças precisam de direção. Não conhecem os seus diálogos e a dicção da Emma [Watson] às vezes é má [a expressão usada é 'deste lado da Albânia']. Além disso, o meu suposto ensaio é com um 'stand-in' que é francês".
Apesar de se perceber que o ator manteve boas relações profissionais com os realizadores, a opinião sobre os filmes propriamente ditos é menos simpática.
A exceção e o favorito parece ser precisamente o que foi realizado por Cuarón, descrevendo a impressão da antestreia em Nova Iorque a 23 de maio de 2004: "O Alfonso fez um trabalho extraordinário. É um filme muito adulto, tão cheio de ousadia que me fez sorrir e sorrir. Cada plano dele é o trabalho de um artista e contador de histórias. Efeitos [especiais] impressionantes, que de alguma forma fazem parte da vida do filme, não acrobacias exibicionistas".
Logo sobre o primeiro, "Harry Potter e a Pedra Filosofal", um falso elogio: "O filme deve ser visto apenas no grande ecrã. Adquire uma escala e profundidade que igualam a banda sonora horrorosa de John Williams. A festa a seguir no Savoy é muito mais divertida".
Após ver "Harry Potter e o Príncipe Misterioso" (2009), escreveu: "O desejo de comer e ainda mais de ter uma bebida é igualado apenas pela necessidade de bater as cabeças dos três Davids [os produtores David Heyman e David Barron, e o realizador David Yates] contra a parede mais próxima. Eu percebo a necessidade do desenvolvimento de personagens e os efeitos especiais (deslumbrantes), mas onde está a história???".
E sobre a despedida com "Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 2" (2011), resumiu a 7 de julho de 2011: "Achei perturbador assistir – tem que mudar de direção a meio do caminho para contar a história de Snape e a câmara perde a concentração. O público, no entanto, muito feliz".
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