De Gene Hackman costuma dizer-se que nunca teve uma má interpretação. De tal forma que quando estava nomeado para o Óscar de Melhor Ator Secundário em 1993 por «Imperdoável», um crítico comentou que tinha uma carreira cheia de papéis memoráveis em filmes medíocres e que era altura de emendar o currículo com o filme de Eastwood.
Não terá sido bem assim — nota-se o desconforto como padre em «A Aventura do Poseidon», que sempre recusou ver, tentando elevar o que era basicamente um daqueles «blockbusters» filmes-catástrofe dos anos 70 com jovens estrelas e muitos veteranos com elevada taxa de mortalidade —, mas a verdade é que, enquanto ator, Hackman sempre pareceu ser um adepto da técnica de representação celebrada por Spencer Tracy: «aprender os diálogos e não tropeçar na mobília».
Assim sendo, ajustou-se às peles de todas as personagens e mesmo que o filme fosse mau — e ele trabalhou bastante, principalmente nos anos 80, e foi ele que muitas vezes elevou o material que estava abaixo do seu nível —, nunca duvidámos de nada que ele fizesse ou dissesse, fosse o comandante de um submarino nuclear, um congressista ou um sádico xerife. Era instantaneamente credível, tudo nele era natural e nunca ninguém o «apanhou a representar».
Nascido em 1930, Eugene Allen Hackman viu o pai abandonar a família quando tinha 13 anos: o acenar de despedida distante na rua marcou-o para sempre. De tal forma que se pode dizer que, na sua carreira, muitas vezes bastavam pequenos gestos para definir completamente as personagens.
Para fugir a uma existência perdida no Midwest americano, alistou-se nos fuzileiros aos 16 anos. Seguiram-se uma série de peculiares empregos e quando finalmente procurou satisfazer as ambições artísticas em Nova Iorque, partilhou com Dustin Hoffman não só o apartamento como a distinção de serem votados pela turma como os mais improváveis de atingir sucesso.
Efectivamente, andou muito tempo à deriva e apenas em 1967, já com 37 anos, se tornou notado graças a um filme que marcou um antes e depois do cinema norte-americano: «Bonnie & Clyde». Como irmão de Clyde, revelou-se um íman de energia e conseguiu a primeira nomeação para o Óscar, que repetiu em 1970 com o drama familiar «Choque de Gerações».
A explosão deu-se em 1971, quando o ator sem atributos para ser estrela de cinema se tornou... uma estrela de cinema. E isso aconteceu porque Popeye Doyle, um dos grandes anti heróis dessa década, o papel em «Os Incorruptíveis Contra a Droga» que lhe valeu o Óscar de Melhor Ator, definiu uma «personalidade» e uma carreira: o triunfo do homem comum à antiga, que não tinha ilusões e tinha de meter mãos à obra para conseguir o que queria e ser relevante. A bem... ou a mal.
Desiludido com os bastidores da indústria, retirou-se calmamente, como seria de esperar, em 2004, sendo agora um romancista de algum sucesso nos EUA.
Mesmo na fase final da sua carreira, quando, cansado de ser «Hackman», se entregou a papéis em que não tinha de o ser — o produtor de segunda categoria em «Jogos Quase Perigosos», a chaminé ambulante em «Matadoras», o patriarca de «Os Tenenbaums - Uma Comédia Genial» —, continuou a ser um ator de quem era impossível desviar o olhar. Afinal de contas, fosse polícia, militar, advogado, industrial, treinador desportivo e até um delirante Lex Luthor, Gene Hackman estava sempre num papel que soubera conquistar.
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