Mais de 18 meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os documentaristas que exibiram os seus mais recentes trabalhos sobre o conflito no Festival de Cinema de Toronto dizem que é mais importante do que nunca manter a crise na consciência pública.
Karim Amer, realizador egípcio nomeado para os Óscares, estreou o seu "Defiant" ["Desafiador", em tradução literal], que conta a história do primeiro ano da guerra na perspetiva de Dmytro Kuleba, ministro dos Negócios Estrangeiros, e de outras elevadas autoridades ucranianas.
Entretanto, o cineasta polaco Maciek Hamela adotou uma abordagem diferente com “In the Rearview”, filmando as suas próprias perigosas viagens rodoviárias para ajudar a evacuar civis ucranianos durante os primeiros meses de combates em 2022.
Das Nações Unidas à Casa Branca, Amer acompanha Kuleba enquanto insta o Ocidente a apoiar Kyiv em toda a extensão possível face ao poder de fogo russo.
O filme também se concentra em Mykhailo Fedorov, ministro da transformação digital da Ucrânia, cuja missão original de colocar todos os serviços públicos 'online' se transforma num esforço total de guerra cibernética apoiado por um enorme “exército de TI” [Tecnologia da informação] de 'hackers' voluntários.
“Não percebíamos completamente como seria a história, mas sabíamos que queríamos que ela estivesse focada ns personagens, baseada nas coisas que o governo estava a fazer na sua comunicação ao mundo”, disse Amer, de 39 anos, à France-Presse (AFP) antes da apresentação do seu filme em antestreia.
Amer, que produziu "O Quadrado", o nomeado ao Óscar de Melhor filme Internacional sobre os acontecimentos na Praça Tahrir, no Cairo, em 2011, disse que a sua equipa em "Defiant" se concentrou em fazer um filme "sobre a guerra no que diz respeito ao mundo", e não um filme com imagens de batalha ou civis. Sofrimento.
“Existem outras linhas de frente que consideramos igualmente importantes numa guerra, e que estas linhas de frente são muitas vezes invisíveis”, disse Amer.
“As pessoas que companhámos inventaram, de várias formas, um novo manual em tempo real, inadvertidamente”, reforçou.
No início do filme, Kuleba encontrou-se com o presidente dos EUA, Joe Biden, que, segundo ele, parecia estar “a dizer adeus a toda a nação ucraniana”.
Um ano depois, Biden acredita agora que a Ucrânia pode derrotar a Rússia – uma mudança que Kuleba acredita ser em parte pelos seus esforços diplomáticos globais.
A produtora do filme, Odessa Rae, que ganhou um Óscar em março pelo seu documentário "Navalny" sobre o dissidente russo preso Alexei Navalny, disse que foi oferecida a Moscovo a oportunidade de participar no projeto, mas esses pedidos ficaram sem resposta.
“Este é o evento político mais extraordinário desde a Segunda Guerra Mundial. O que está acontecer na Ucrânia afeta todos neste planeta, embora não seja falado dessa forma", resume Amer.
Como Kuleba diz para a câmara: “Ninguém irá conseguir ficar de fora desta crise”.
O lado "mais íntimo" da guerra
Com "In the Rearview" ["No retrovisor", em tradução literal], que foi exibido em vários festivais, incluindo Cannes, desde maio, mas que estreou na América do Norte na terça-feira em Toronto, Maciek Hamela oferece um olhar íntimo sobre o sofrimento das pessoas comuns que entraram na sua carrinha rumo a um futuro incerto.
“Sou cineasta, mas parei de fazer filmes e de fazer qualquer tipo de trabalho para conduzir. E estava focado apenas em conduzir”, disse o polaco de 40 anos à AFP.
“As pessoas ficaram a saber que estava fazer isto, portanto ligavam-me a pedir para trazer os familiares dos seus amigos, ou amigos de amigos”, acrescentou, estimando ter feito cerca de 100 viagens num período de seis meses, com algumas pausas para descanso.
Assim que decidiu virar a câmara para os seus passageiros, os horrores da guerra desenrolaram-se em entrevistas de estilo confessional no espelho retrovisor de Hamela - violação, tortura, deslocamento, morte, perda - num cenário de pontes e casas bombardeadas.
“O primeiro interrogatório foi difícil. Depois disso, uma pessoa habitua-se”, disse um passageiro do sexo masculino.
Outra mulher descreveu ter vivido durante um mês numa cave em Mariupol, a cidade portuária capturada pela Rússia após um longo e brutal cerco em 2022.
Hamela disse esperar que o seu filme "em primeiro lugar recorde a todos que esta guerra ainda está a decorrer", mas também mostre "um aspeto da guerra que é muito mais íntimo", o que poderia ajudar os espectadores a perceberem os ucranianos comuns a um nível humano.
“É importante fazer documentários sobre todos os conflitos que aumentem a consciência sobre o estado atual do mundo em que vivemos”, acrescentou, citando as situações no Afeganistão, Sudão, Síria e Iémen como estando a alimentar uma crise global de refugiados.
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