A 76ª edição do Festival de Cannes começou esta terça-feira com uma homenagem ao ator norte-americano Michael Douglas, Palma de Ouro honorária aos 78 anos, e a polémica à volta do seu compatriota Johnny Depp, que volta aos cinemas após uma tumultuada disputa judicial.
De peruca e bom sotaque francês, Depp interpreta o rei Luís XV em "Jeanne du Barry", um filme de época que abriu o festival mais conhecido do mundo.
Aos 59 anos, a estrela de "Piratas das Caraíbas" recebeu o apoio da organização e o carinho dos fãs, mas também o repúdio assinado por mais de cem profissionais franceses.
Uma hostilidade que se propagou de Hollywood, onde o ator é criticado apesar de ter vencido um julgamento por difamação contra a sua ex-esposa, Amber Heard, que o acusou de violência doméstica.
Com cabelos presos e óculos escuros, Depp distribuiu autógrafos na entrada do Palácio dos Festivais, que este ano foi tomado pelas estrelas. Mais tarde, vídeos mostraram-no visivelmente comovido ao receber a ovação de sete minutos no fim da estreia do seu filme.
Mas o mundo do cinema vive uma época de agitação, com acusações de discriminação de género, reclamações pelas condições de trabalho dos argumentistas em greve de Hollywood e denúncias de todo o tipo.
Ao estender "a passadeira vermelha a homens e mulheres agressores, o Festival envia a mensagem de que, no nosso país, podemos continuar a exercer violência com total impunidade", criticou um movimento coletivo de 123 trabalhadores do setor do cinema francês num manifesto.
O alvo da polémica não é apenas Depp: a própria realizadora e protagonista de "Jeanne du Barry", a atriz francesa Maïwenn, foi denunciada por agressão por um conhecido jornalista francês, Edwy Plenel.
"Jeanne du Barry" é um produção luxuosa que narra a apaixonada relação entre Luís XV e a sua amante favorita. Para Maïwenn, Depp era o ator ideal para dar vida ao monarca.
Para o Festival de Cannes, onde 21 filmes concorrem à Palma de Ouro, são esperados outros dias de polémica, como a que cerca a rodagem de um dos concorrentes, "Le Retour": a sua realizadora, a francesa Catherine Corsini, é criticada por se ter excedido durante as gravações, que põem em cena uma história de sexo entre adolescentes.
Uma geração de octogenários
Para além das polémicas, o festival assumiu este ano um papel de ponte entre toda uma grande geração de cineastas e intérpretes, alguns deles já octogenários, e os seus sucessores.
A 76.ª edição do Festival de Cannes foi aberta oficialmente pela atriz francesa Catherine Deneuve, cuja imagem domina o cartaz oficial, durante uma cerimónia apresentada pela sua filha, a também atriz Chiara Mastroianni.
"Declaro aberto o 76.º Festival de Cannes", disse Deneuve, uma das lendas vivas do cinema francês, ao lado de Michael Douglas, que disse a mesma frase em inglês, minutos antes de receber a Palma de Ouro honorária pela sua carreira.
"Pergunto-me como pude durar tanto tempo", disse Douglas ao receber o prémio, enquanto era ovacionado pela plateia.
"Que abraço!", disse ele ao público, que não parava de aplaudi-lo.
"Isto conta muito para mim, pois há centenas de festivais de cinema no mundo, mas só há um Cannes (...) É uma honra incrível", acrescentou.
"A idade pesa", brincou o ator, de 78 anos. Este festival "faz-nos lembrar (...) que o cinema transcende os limites e aproxima as fronteiras", acrescentou.
"Queria abraçar Cannes e toda a França do fundo do meu coração", disse em francês, antes de receber a honra das mãos de Uma Thurman.
No total, 21 cineastas disputam a Palma de Ouro, entre os quais sete mulheres - um recorde para o maior festival de cinema do mundo. Um júri de nove membros, presidido pelo sueco Ruben Östlund, premiado em 2022 por "Triângulo da Tristeza", tal como acontecera cinco anos com "O Quadrado", irá escolher os vencedores desta edição.
A mostra competitiva começa na quarta-feira, com duas longas-metragens, "Monster", do japonês Hirokazu Kore-Eda, e precisamente "Le Retour", de Catherine Corsini.
Até ao seu encerramento, a 27 de maio, Cannes receberá estrelas como Harrison Ford, de 80 anos, que apresentará o quinto e possivelmente último filme como Indiana Jones ("Indiana Jones e o Marcador do Destino").
O cineasta Martin Scorsese exibirá o seu filme mais recente, "Killers of the Flower Moon", sobre uma série de assassinatos de indígenas nos EUA nos anos 1920, com Leonardo DiCaprio e Robert De Niro.
Um dos grandes nomes espanhóis ligados a Cannes, Pedro Almodóvar apresentará a curta-metragem western e LGBT "Strange Way of Life", com Ethan Hawke e Pedro Pascal, , além de José Condessa entre os secundários.
Este ano, as produções de longa duração dominam Cannes. "About Dry Grasses", do turco Nuri Bilge Ceylan, dura 3h17, e o documentário chinês "Youth Spring", 3h40. Ambas denunciam a atmosfera de países submetidos a regimes opressivos.
A lenda do cinema britânico Ken Loach, de 86 anos, tentará conquistar a sua terceira Palma de Ouro com "The Old Oak", também de forte teor social.
Outra lenda, o espanhol Víctor Erice, de 82 anos, que apresentou a sua longa-metragem anterior em Cannes há três décadas, regressa à mostra com "Cerrar los ojos", numa mostra paralela.
O italiano Marco Bellocchio, de 83 anos, exibe "Rapito", filme que mostra o sequestro de um rapaz judeu para que receba educação como cristão em meados do século XIX na Itália.
Cannes também abre espaço para a geração seguinte, como o realizador norte-americano Wes Anderson, que recorreu a um elenco de estrelas para "Asteroid City": Tom Hanks, Scarlett Johansson, Willem Dafoe, Margot Robbie...
Outro destaque é a jovem franco-senegalesa Ramata-Toulaye Sy, que disputa a Palma de Ouro com "Banel e Adama", a sua primeira longa-metragem.
Fora de competição, Pedro Costa fará a estreia do filme “As Filhas do Fogo”, sendo a quinta vez que o realizador português marca presença em Cannes.
Segundo a produtora Clarão Companhia, é uma curta-metragem interpretada pelas cantoras Elizabeth Pinard, Alice Costa e Karyna Gomes, com Os Músicos do Tejo, dirigidos pelo maestro e cravista Marcos Magalhães.
Também fora de competição, Cannes vai exibir “Eureka”, do argentino Lisandro Alonso, coproduzido pela portuguesa Rosa Filmes.
Na secção “Un Certain Regard” vai estar o filme “A Flor do Buriti”, da realizadora brasileira Renée Nader Messora e do português João Salaviza, que voltaram a filmar com o povo indígena Krahô, do Brasil, depois de “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”.
Na Quinzena de Cineastas, Filipa Reis e João Miller Guerra vão estrear a segunda longa-metragem de ficção de ambos, “Légua”, e vai assinalar-se os 30 anos da estreia de “Vale Abraão”, de Manoel de Oliveira, com as presenças da atriz Leonor Silveira e do produtor Paulo Branco.
Também nesta programação, na iniciativa “La Factory des Cinéastes”, estarão em foco quatro curtas-metragens, coproduzidas pela Bando à Parte com jovens estruturas, técnicos e realizadores do norte de Portugal.
“Corpos Cintilantes”, uma primeira obra da realizadora Inês Teixeira, sobre a adolescência, está integrada na competição de curtas-metragens da Semana da Crítica.
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