Ao lado de obras como “La Ragazza del Mondo” e “Fiore”, outra das sensações “indie” do ano passado em Itália foi "Indivisibili" – recebendo o batismo protocolar no Festival de Veneza, seguindo depois para o de Toronto, e terminar recebendo as nomeações aos prémios mais 'mainstream' dos David di Donatello, os 'Óscares italianos'.
O realizador Edoardo de Angelis fez um filme sobre gémeas siamesas. Do escandaloso “Monstros”, de Tod Browning, onde o cineasta foi buscar o nome das suas protagonistas, ao mórbido “Homem-Elefante”, de David Lynch, o lugar das pessoas com deficiências “bizarras” é o circo – e o seu destino é a exploração por empresários muito pouco interessados na sua sorte.
Aqui, Viola e Dasy (as irmãs Angela e Marianna Fontana, impressionantes) são cantoras. Movimentando-se pelas ruínas de um sul italiano destroçado, elas não se queixam muito da sua situação: fazem espetáculos alegres aqui e acolá, ganham dinheiro – que não chegam a receber, mas vai para o banco… – e aturam-se razoavelmente.
Até que um médico lhes diz que há procedimentos para as separar.
A revelação lança o caos na família – até porque o pai (Massimiliano Rossi), que ganha dinheiro com elas, não está nada interessado em ajudá-las.
O belo e o repulsivo
Numa entrevista por alturas de Veneza, em agosto de 2016, o cineasta disse ao Cineuropa que o que lhe fascinava era encontrar o equilíbrio entre atração e repulsa. Tanto que só depois de pensar em quanto as siamesas do clássico de Browning eram belas, se imaginou a rodar a história de 'monstros' que lhe tinha sido apresentada.
O enredo permitia ainda outro simbolismo, bastante evidente no filme: os cortes dolorosos (fisicamente, neste caso) que um adolescente tem de fazer em termos de laços afetivos para passar à vida adulta.
Passou-se outro bom período de tempo até se resolver o maior dos problemas: encontrar as atrizes. Depois de testes infindáveis, de Angelis ficou impressionado com as irmãs (não siamesas, bem esclarecido) Angela e Marianna Fontana, encontradas nos confins de Caserta, uma província do sul muito conhecida pelo domínio local dos capos/mafiosos Cavalesi. Um ano depois, o realizador voltou para as trazer.
Uma vez que o desejo era pelo mais completo realismo, não houve nada de efeitos digitais: as atrizes usaram mesmo uma prótese artesanal – que lhes podia roubar 15 horas do dia, cinco para maquilhagem e dez para a rodagem. Mais que isso, ainda passaram alguns meses a conviver para escobrir o que era ter de partilhar a mais completa intimidade com outra pessoa.
A exuberância da prestação garante por si o preço do bilhete.
Cartão de visitas
As irmãs são belas, o cenário nem por isso – e a sequência inicial é o cartão de visitas para a 'atração e repulsa' pretendidas: partindo de uma praia cheia de entulhos, um longuíssimo 'travelling' segue três prostitutas pela localidade, sem qualquer relação com a história. A apresentação está feita – antes das gémeas entrarem em cena.
Esta Itália decadente e pouco reconhecível a quem associar o país a Veneza ou Florença, é representada por Castel Volturno, um local que já foi sede de turismo de luxo e hoje parece uma cidade bombardeada.
Além da paisagem, só interrompida pela quase onírica sequência do navio, também à música foi concedido um cuidado especial. Somadas as peças da equação, o resultado ficou mais belo que repulsivo.
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