Uma dezena de filmes espalhados pelos principais espaços que acolhem o festival são exibidos no primeiro dia do IndieLisboa, que decorre por mais dez dias.
Para as honras de abertura foi escolhido o português “A Árvore”, de André Gil Mata. Baseado em alguns poucos planos-sequência e no forte apelo visual de fotografia de João Ribeiro, o filme propõe uma revisitação simbólica das vicissitudes que assolaram a Bósnia nos anos 90. Num dia de muitas aberturas, “Adieu Philippine” inaugura a seção Herói Independente e o experimental “Caniba” a Boca do Inferno.
Jovens, experimentalismos e guerras: viva os anos 60
O veterano Jacques Rozier, um dos Heróis Independentes do IndieLisboa 2018, inscreveu o seu nome na fase inicial da "Nouvelle Vague" francesa com apenas um filme. “Adieu Phillipine” traz uma animada Paris sob pano de fundo e acompanha, com uma entusiástica banda sonora, as perambulações de duas jovens (vividas por Stefania Sabatini e Yveline Céry) descontraídas pela cidade. A dado momento, ambas namoriscam com o mesmo rapaz, Michel (Jean-Claude Amini) – um jovem operador de câmara em vésperas de ser enviado para a Guerra da Argélia.
Próprio de uma época de ascensão da cultura de juventude, “Adieu Phillipine” traz a leveza do espírito juvenil e do descompromisso – simbolizada principalmente nas jovens que, apesar de um certo recato, infringem alegremente as regras dos “bons costumes”. O título do filme, sem significado literal nenhum, é “encontrado” pelas duas num jogo antes de dormir: aquela que ao acordar dissesse primeiro “adieu Philippine” ficava com o rapaz antes da outra...
Sem uma narrativa linear, há histórias sobre carros, bares, festas e muitos piropos (será que hoje em dia se chamaria “assédio”?) – vindos de homens mais velhos ou de rapazes – que se estendem das ruas da metrópole à Córsega, onde Michel decidiu aproveitar os seus últimos dias antes de se juntar ao exército. O tom não é sempre o mesmo: ao de cima também vêm os limites dos relacionamentos “liberais” – tal como a sombra da guerra.
O filme de 1962 lega ainda umas curiosas “previsões”, como num jantar onde um familiar de Michel diz que na Guerra Fria “nem Estados Unidos nem União Soviética ‘prestam’ e que ambos têm medo é da China, que será uma grande potência!”.
Apesar do filme ter estreado no Festival de Cannes e ser elogiado pelos companheiros da "Nouvelle Vague", “Adieu Philippine” é um exemplar raro de uma carreira cinematográfica errática para Rozier, que só voltaria a lançar outro filme de ficção em 1971.
Transe canibalesco
Entra as propostas mais radicais do dia há-de figurar “Caniba”, registo experimental que mistura, de forma desfocada e contemplativa, temas como canibalismo, loucura e sexo. Na base da abordagem está um caso verídico – a do homem que matou uma mulher no início dos anos 80 – antes de se refestelar com a iguaria.
“Caniba” traz um registo semelhante a “Somniloquies”, obra da dupla Verena Paravel e Lucien Castaing-Taylor apresentada em Competição na edição do IndieLisboa do ano passada. Neste filme criava-se um universo visual “onírico” (indefinível, seria a palavra certa…) para emoldurar os longos monólogos de um homem que falava a dormir.
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