A caminho dos
Óscares 2018
Antes do premiado cineasta, que com "A Forma da Água" venceu o Bafta, o Globo de Ouro e o Leão de Ouro de Veneza e agora o Óscar, houve um adolescente que sabia que trabalharia no cinema e que desde jovem, quase a brincar, construiu a sua carreira.
"Nas curtas que fazia desde adolescente com uma pequena câmara já se via a sua imaginação, o seu lado fantástico de interpretar a realidade", disse à AFP Anne Marie Meier, crítica de cinema suíça que conheceu del Toro num workshop de argumento quando o cineasta mexicano tinha 16 anos.
Tudo aconteceu na cidade de Guadalajara, onde del Toro nasceu em 1964 e onde Meier dava aulas de alemão e oficinas de cinema. Ela ri ao recordar o jovem criativo.
"Tinha muita paixão pelos insetos. Ele colecionava-os, vivos, em caixinhas, e disputava com outros adolescentes para ver quem tinha a maior barata de Guadalajara. Às vezes chegava às aulas a dizer que tinha uma de sete centímetros", relata.
"Pesadelo"... 1 e 2
Amigo desde a adolescência de del Toro, o fotógrafo Mariano Aparicio foi cúmplice das primeiras aventuras cinematográficas. Rodaram juntos "Pesadelo", curta de terror que teria uma sequela um ano depois.
"Tínhamos 17 anos. Não havia câmaras de vídeo. Com uma super-8 decidimos fazer um filme para um festival cultural. É muito divertido, com um monstro gelatinoso que sai do banheiro e percorre a escola", conta Aparicio.
O argumento era de del Toro, mas a produção foi compartilhada.
"Mandava os cartuchos para revelar nos Estados Unidos e era uma angústia. Esperava muito para poder ver o resultado, editar com um cortador especial e colar com adesivo", explica.
O crítico de cinema Leonardo García Tsao conheceu del Toro no início da carreira.
"A única coisa que queria era fazer cinema e aproximou-se do cinema com oficinas, as únicas aulas que fez porque é basicamente autodidata", comenta.
O seu mundo já era fantástico no seu quarto da adolescência, recorda Aparicio. "Estava decorado com aliens, personagens de ficção, monstros, Frankensteins. Tinha adesivos fluorescentes que estavam na moda".
Depois viria "Matilde", um curta de terror filmada na casa da sua avó. A sua mãe, dona Guadalupe, encarna uma mulher numa cadeira de rodas que vive sozinha e passa o tempo a costurar.
A mãe do realizador foi sempre uma colaboradora entusiasmada. Apareceu noutra das suas curtas, "Geometria", rodada em 1987 e na qual também atuaram o seu pai e outro grande amigo, Rodrigo Mora.
Essência mexicana
Desde "Matilde", destaca Meier, era possível observar a marca de del Toro, que cresceu num lar católico repleto de imagens religiosas.
"Matilde aparece cercada de virgens e crucifixos. Guillermo já brincava com tudo o que gostava, era um adolescente cheio de cultura, lia banda desenhada, desenhava graphic novels e também via muito cinema", recorda Meier.
A crítica destaca que dos "três amigos" mexicanos que triunfaram em Hollywood (Alfonso Cuarón e Alejandro González Iñárritu, vencedores de Óscares), del Toro é o que mais assume a sua essência mexicana.
"Ele nutre-se de toda a cultura global, mas no fundo está sua marca [mexicana], com personagens com alguma fragilidade, que não têm voz como a menina de 'Cronos' e agora em 'A Forma da Água'. Ou tem uma perna com uma prótese. Sinto que para ele sempre é importante apresentar personagens frágeis, isso é típico do cinema mexicano", explica.
Em "A Forma da Água", Elisa é uma funcionária da limpeza num laboratório secreto do governo norte-americano. Ela ouve, mas não pode falar. Apaixona-se por uma criatura anfíbia presa num tanque de água.
Entre o jovem que filmava na sua escola e o cineasta reconhecido internacionalmente, não há grande diferença, afirmam os amigos. Ele não perde a personalidade jocosa, longe da imagem clichê do realizador solene e irritado.
Durante uma edição do Festival de Cannes, quando del Toro exibiu a sua estreia nas longas-metragens com "Cronos", García Tsao teve de suportar um vizinho de hotel que não baixava o volume da televisão.
"De manhã, abro a porta e era ele, Guillermo, o vizinho barulhento", recorda.
Mas um episódio marcou a sua vida e obrigou a família del Toro a deixar o México em 1998: o rapto em Guadalajara do seu pai, que depois de ganhar na lotaria criou um negócio de sucesso.
James Cameron ajudou del Toro a reunir um milhão de dólares, que o realizador entregou pessoalmente aos raptores.
"Foi bastante tóxico, misturou a comédia nisto tudo", afirmou del Toro uma vez.
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